Se você resumisse o novo filme de Ari Aster, acabaria com um pseudo-thriller sobre a pandemia de Covid-19 que bebe de influências do western. Em outras palavras, Eddington, uma cidade pacata no estado do Novo México, é um reflexo dos Estados Unidos daquela época: no meio de uma batalha política entre conservadores extremistas e direitistas menos radicais, uma população clama por justiça social contra a polícia norte-americana, enquanto tenta lidar com um vírus mortal. Essa é uma proposta ousada: tentar comprimir um dos momentos mais delicados da política global em uma alegoria quase teatral. Trata-se, também, de uma ideia genuinamente bem intencionada e necessária. No entanto, Eddington (2025) mais prova que Aster trabalha melhor com questões sobrenaturais e existencialistas do que com dinâmicas explicitamente políticas.
No filme, que se passa em uma pequena cidade norte-americana durante o lockdown da pandemia de 2020, o prefeito Ted Garcia (Pedro Pascal) enfrenta resistência do delegado Joe Cross (Joaquin Phoenix), um negacionista que vê nas medidas sanitárias uma ameaça à liberdade individual. Enquanto Joe mobiliza aliados para enfrentar Ted nas urnas, o xerife também lida com a sua esposa, Louise (Emma Stone), uma mulher influenciada pelas teorias da conspiração de sua mãe. Em paralelo, o filho do prefeito, Eric (Matt Gomez Hidaka), se aproxima dos protestos do Black Lives Matter ao lado de jovens ativistas locais, conectando o isolamento da pequena cidade às grandes convulsões sociais que tomam os Estados Unidos. Em meio a campanhas eleitorais, grupos extremistas violentos chegam à Eddington, deixando a cidade dividida entre medo, paranoia e a luta por justiça.
Na maioria de seus filmes, Aster usou a estranheza fílmica para canalizar a corrupção humana. Por aqui, ele tenta trabalhar algo do gênero, principalmente pelas músicas. Porém, em grande parte do enredo, o foco acaba sendo a ridicularização dos estadunidenses. Olhe, por exemplo, para Joe, que encapsula bem qualquer eleitor republicano. Em paralelo, a esposa e sogra do xerife passam o dia consumindo conteúdo duvidoso sobre teorias da conspiração. Em suma, essas figuras são retratos caricatos que Aster produz para ironizar os americanos e esse momento político caótico. Isso é capturado em um teatro idealizado: enquanto a própria cidade de Eddington parece construída em cima de uma cenografia artificial, tudo o que acontece no filme parece forçadamente fácil. Nisso, as razões para Joe não acreditar no vírus são ridículas, mas a carência de coerção contra ele é ainda mais absurda.
Porém, embora Eddington seja bem-intencionado em propor essa ironia, isso nem sempre funciona. O maior problema do filme me parece ser que o diretor não soube limitar seus sarcasmos. Por consequência, isso invalida os lados certos da história. Por exemplo, penso na figura de Sarah (Amélie Hoeferle), uma jovem engajada no movimento social da cidade. No caso, a moça é bastante politizada, mas, por ser engajada até demais, sua representação beira o ridículo, subvertendo-a. Ou seja, Sarah e seus amigos são pessoas brancas que se vitimizam em uma luta social: existe um momento em que ela corrige Eric, dizendo que ele não pode ser antirracista, somente um “traidor branco”. Isso representa um grupo de pessoas como ela, mas, nesse filme, os “bons moços” tornam-se exageros melodramáticos, visto que não há limites de contraste e nem uma camada extra de sarcasmo justificar esse excesso.
Eddington é um filme bastante confuso. Enquanto os outros trabalhos de Aster, como Hereditário (2018), têm todos os seus pontos amarrados, Eddington é duplamente caótico. Em primeiro lugar, o filme conta com um enredo desmedido: as coisas acontecem em um espaço de tempo breve demais para serem processadas, e várias delas são blocos mal colocados em um quebra-cabeça abstrato. Além disso, nem todos os fatores parecem ter um propósito: Louise, por exemplo, até tem uma narrativa sobre abuso infantil, mas seu único papel na obra parece ser um polo “menos absurdista” em meio ao caos — o que também não é aproveitado considerando o pouco tempo de tela de Stone. Claro que, com isso, Aster tentou incrementar ainda mais seu pseudo-épico dos Estados Unidos. No entanto, será que um filme que já não consegue abraçar todas as suas propostas, precisa de mais e mais elementos críticos?
No final do filme, pensei em duas resoluções mais profundas sobre Eddington: essa é uma obra narrativamente teatralizada sobre a corrupção de um policial ou é uma produção que, no seu núcleo, tem só o foco de denunciar a culpabilização do homem negro. O primeiro, no caso, é falso por não haver a conversão de um sentimento positivo em um negativo acerca de Joe. O segundo, por sua vez, passa batido demais. Talvez, os outros elementos do filme, externos a essas propostas, parecem sustentar mais essa construção do que a narrativa central. É verdade que temos Covid, extremistas, negacionistas e protestos do BLM, mas tudo isso parece mais funcional na descrição do que na prática. Não só isso, mas Eddington parece um pouco atrasado. Claro que tudo o que foi contado aqui merece ser denunciado, mas, às vezes, precisamos escolher bem as nossas lutas.
(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)