É curioso como Amores Materialistas parece receoso da própria linguagem. É como se o filme se recusasse a confiar às suas imagens aquilo que só o seu texto parece autorizado a expressar, já que a decupagem nunca se arrisca a propor sentidos que o roteiro não tenha autorizado previamente. O que resta são personagens que já nascem encapsulados em arquétipos e usados como atalhos dramáticos. Tudo é tão explicado, tão mediado pelos diálogos, que não sobra muito espaço para o espectador pensar. O discurso precede tudo, e antes que percebamos qualquer contradição nos personagens, ela já foi justificada ou desmentida.
Dessa forma, a mise-en-scène se torna praticamente estéril, evitando a criação de subtextos e se limitando a ilustrar teses. Há uma intenção genuína de discutir a busca por relacionamentos afetivos em meio à frieza dos filtros algorítmicos e “tabelas de compatibilidade”, mas essa intenção perde força pela dependência da fala: o filme acredita na própria inteligência, mas tem medo de ser mal interpretado — por isso, explica tudo. É um drama realista que às vezes flerta com a alegoria, mas jamais tem coragem de ir além da superfície.
O maior impasse da obra é justamente sua rigidez estrutural, que impede quaisquer desvios de uma fórmula narrativa e, por isso, nunca escapa de uma lógica racional e calculada. Os blocos narrativos se sucedem de forma previsível e até didática, como se cada interação social fosse criada para reforçar alguma tese, em vez de amplificar as contradições comportamentais e a complexidade dos personagens. Esse controle, mais uma vez, sufoca as possibilidades dramáticas e neutraliza as ambiguidades das relações humanas retratadas. Assim, a obra se mantém segura e não se arrisca em provocar o espectador, se contentando em fazer sua análise do amor contemporâneo de forma surpreendentemente plana e metódica.
No entanto, há momentos em que o longa abre mão de sua rigidez. Um dos meus favoritos está no terceiro ato, quando uma discussão entre Lucy e John promete romper com a abordagem superficial da obra. É um momento em que as palavras não parecem calculadas, escapando do controle e humanizando o ex-casal, mas, infelizmente, isso é interrompido por um conflito externo que reposiciona o filme em sua zona de conforto. No fim, Amores Materialistas tem plena consciência do que quer falar, só não sabe como. O que resta é um drama que descreve bem o vazio dos relacionamentos contemporâneos, mas não consegue encená-lo à mesma altura. Uma verborragia bem-intencionada, mas esteticamente tímida.