A Origem

Direção —

Gêneros — ,

Ano — 2010

Em A Origem (2010), Christopher Nolan revive a mágica que construiu o cinema, ao passo que entrega um de seus enredos mais originais.

O Cinema de Atrações foi um termo cunhado para se referir aos primeiros anos do cinema norte-americano e europeu. Naquela época, entre 1890 e 1910, o cinema era uma arte muito basilar e crua e a maioria das produções não contava com grandes enredos complicados ou mundos bem bolados. Em outras palavras, os pequenos filmes — que raramente duravam mais que poucos minutos — eram obras com apelo visual ou cômico, focando todos os seus esforços em mostrar o poder daquela nova arte e indústria que dava seus primeiros passos. Os trabalhos assinados por Georges Méliès, por exemplo, embora contassem histórias mais planejadas, sustentavam-se quase inteiramente em cima do seu recurso visual dos famosos “truques de mágica”. Cem anos depois, Christopher Nolan conseguiu reviver o sentimento que fez o cinema ser a tão conhecida “Fábrica de Sonhos”.

Escrito e dirigido por Nolan, A Origem (2010) se desenrola em uma distopia na qual é possível entrar na mente humana e Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) está entre os melhores na arte de roubar segredos valiosos do inconsciente, durante o estado de sono. Impedido de retornar para sua família, após ser acusado de assassinar sua esposa, ele recebe a oportunidade de se redimir ao realizar uma tarefa aparentemente impossível: plantar uma ideia na mente do herdeiro de um império, Richard Fischer (Cillian Murphy), a mando de seu concorrente, Saito (Ken Watanabe). Para realizar o crime perfeito, ele conta com a ajuda do parceiro Arthur (Joseph Gordon-Levitt), do discreto Eames (Tom Hardy) e da arquiteta Ariadne (Elliot Page), na esperança de finalmente limpar sua ficha criminal. 

Já fazendo parte de uma era em que reboots e remakes têm um valor comercial maior do que originalidade, A Origem tem como grande feito seu ineditismo e sua criatividade. Sem exagero, essa é, ainda, a ideia mais única das últimas décadas. Para além da premissa, porém, sua narrativa “cronologicamente quebradiça” se apresenta quase como uma boneca matrioska: conforme o filme avança, Cobb e seus companheiros de crime adentram camadas cada vez mais fundas — sonhos dentro de sonhos — para conseguir chegar no ponto mais profundo da mente para induzir a ideia a Fischer. Além de deixar a própria audiência confusa — como de costume —, Nolan desafia os próprios conceitos de cena ao tratar os espaços de sua diegese como algo metafísico, mesmo dentro da própria linguagem. Com isso, o filme é duplamente eficaz: sólido suficiente para um ótimo filme de ação, sem faltar maestria em sua mimese. 

Porém, grande parte do êxito de A Origem parte não apenas de sua semente matriz, mas sim dos detalhes que realmente compõem esse mundo. Ou seja, Nolan colocou adereços que, de forma inteligente e sutil, sustentam todo o enredo e não deixa com que seu filme confie seu sucesso apenas a uma ideia bem bolada, mas, sim, bem executada também. Olhe, por exemplo, para o pião que Cobb usa para saber se está sonhando ou não — que, por fim, desafia toda noção do próprio filme em um nível extradiegético. Há, também, uma sala clandestina na qual as pessoas têm acesso aos aparelhos militares que permitem entrar no mundo dos sonhos, fazendo assim uma breve alusão às salas de máquinas de jogos e ao consumo de entorpecentes. Na verdade, o próprio Cobb é um “dependente químico” de suas memórias, essas que ele usa para construir seus sonhos e pelas quais navega por meio de um elevador que casualmente burla as regras da física.  

O charme de A Origem, porém, tem sua dívida com a direção de Nolan, que consegue ser, propositalmente, confusa. Para quem está familiarizado com os outros trabalhos do diretor — especialmente Amnésia (2000) e, talvez, também, o mais recente, Oppenheimer (2023) —, é fácil perceber A Origem como a peça mais ousada dentro um quebra-cabeça dedicado à construção de um simulacro da realidade, destinada a nos seduzir e mexer com a nossa impressão, legando uma distorção do próprio cinema. Para tal, seus cortes são secos e sem nenhum cuidado, pensando seus esforços mais numa criação de uma própria técnica, do que uma preservação de algo existente. Porém, sua sutileza é maior, visto que a lente grande angular acaba sendo, casualmente, responsável por distorcer a realidade ao redor do foco, mas mantendo seu ponto de interesse nítido, ainda que seu entorno seja irreal. Entre o jogo de nunca captar os rostos dos filhos de Dom e uma cena de suicídio genuinamente ofegante, A Origem vislumbra sobre as próprias possibilidades que cria enquanto navega. 

Em conjunto, a potencialidade de A Origem como filme de ação surge justamente de sua faceta visual, que, assim como os primeiros filmes — mas, agora, claro, com mais capacidades técnicas —, impressiona. Os efeitos especiais são notáveis, tanto para a criação de um jogo de espelhos infinito quanto para uma cena em que uma cidade inteira se dobra por cima de si própria. Nesse sentido, o triunfo não funciona apenas em favor das ótimas cenas de destruição e acidentes, mas também em prol da manutenção de um jogo mental labiríntico: são vários os momentos que replicam imagens de ilusão de ótica, que, no longa, não apenas são jogadas legais da direção, mas também funcionam como elementos de progressão fílmica. O destaque, todavia, fica para cena da luta em um corredor giratório, na qual Arthur luta contra os guardas mentais de Robert enquanto todo cenário gira, como se ambientassem em um mundo sem gravidade. 

Por fim, assistir A Origem é se perder dentro de sua própria interpretação e do seu conhecimento do que o cinema pode ser. Porém, ao passo que isso é uma benção, é um problema: você pode ficar hipnotizado pelo desconhecido, mas será que você não passa mais tempo tentando desvendá-lo do que, propriamente, curtindo o filme? Pessoalmente falando, passei grande parte da primeira hora tentando entender as linhas pelas quais esse universo de Nolan funciona e me localizar — tudo aqui parece querer ser tão lógico e literal que se torna quase uma tarefa de um especialista de área entender as mecânicas que deveriam ser mais básicas. Seu desenrolar tenta arrumar isso, mas, bem quando precisa ir mais fundo, dá um passo para trás e cai na simplicidade — afinal, uma ideia realmente pode ir contra toda personalidade de uma pessoa? Novamente, se você só quer um ótimo filme de ação, A Origem funciona, mas se você quer engajar um pouco mais, talvez ele não seja para todo mundo. 

Com o passar do tempo, a repetição da estrutura de sonhos dentro de sonhos acaba sendo cansativa. Porém, seus paradoxos — que, às vezes, parecem confusos até para a própria direção — e falta de tato em alguns momentos não tiram o brilho de um filme que já nasceu clássico por sua ousadia, originalidade e execução quase perfeita. De qualquer modo, com certeza, há mais de cem anos, nenhum daqueles primeiros caras que estavam fazendo cinema pensariam que um filme como esse pudesse existir. 

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

A Origem

Título Original: Inception

Lançamento: 2010

Duração: 148 mins.

Gênero(s): ,

Classificação: 14

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