Queer

Direção —

Gêneros — ,

Ano — 2024

O último filme de Luca Guadagnino é seu trabalho mais contido e enigmático, porém, ele ainda tem dificuldades em entender sua própria essência.

O último filme de Luca Guadagnino, Queer (2024), é um trabalho sustentado fundamentalmente pela convicção e certeza com base em ideias — não importa o quão não-ortodoxas elas possam parecer. Sendo sincero, foram diversos os momentos de Queer em que minha cabeça só conseguia lembrar do que David Lynch costumava dizer sobre ideias: quando elas aparecerem, as pegue com força e confie nelas. Queer, diferente dos filmes mais badalados de Guadagnino — Me Chame Pelo Seu Nome (2017) e Rivais (2024) —, adota uma abordagem mais contida, elegante e enigmática, enquanto beira um certo vanguardismo com apelo mais popular. Porém, por mais ousado e diferente que Queer tente parecer, ele ainda tem dificuldades em entender sua própria essência e caminho.

Queer, baseado no livro homônimo de William Burroughs, discorre sobre William Lee (Daniel Craig), um expatriado americano e viciado em opioide que vive na Cidade do México. Ele passa seus dias quase totalmente sozinho, exceto por alguns encontros sexuais com outros homens da pequena comunidade em que vive. Um dia, o protagonista esbarra em Eugene (Drew Starkey), um ex-soldado expatriado, e acaba se apaixonando. Acreditando finalmente ser possível estabelecer uma conexão íntima que vá além de seus hábitos sexuais, Lee passa a investir no rapaz, embora ele retribua apenas com sexo, demonstrando distância emocional. Buscando estreitar os laços, os dois embarcam em uma viagem para a América do Sul, mas o desfecho é amargo. 

Me Chame Pelo Seu Nome e Rivais são duas obras do diretor que vêm à mente quando você assiste Queer. Isso se justifica para além das diferenças ou semelhanças entre os dois filmes, mas por ele, de certa forma, ser um meio-termo bem dosado entre os dois. No caso, Queer se sustenta por uma abordagem e um ritmo contidos e pacientes, sendo uma espécie de evolução do slow burn progressivo do filme de 2017. Todavia, o resultado é bem mais sensual, aproximando-se do estilo presente no longa lançado pelo diretor no ano passado. Nisso, Queer usa um ambiente refinado, pautado no mistério do gênero de crime — ainda que as restrições impostas à comunidade não desempenhem um papel tão ativo nesse processo —, para construir sua provocação sexual.

Nessa metodologia, Queer mistura duas facetas: em primeiro, sua abordagem é sóbria e comum, em seguida, o diretor debruça sobre um certo experimentalismo e na criatividade simbólica. No primeiro caso, os personagens, principalmente Lee, são glorificados, por mais “corruptos” que eles sejam. Em certa cena, Lee se encontra com um colega, mas, depois que sai, recebe críticas por não conseguir ter amizade com outros gays. Nisso, uma trilha sonora de tonalidade sombria é tocada. Embora não traga glória, por assim dizer, o som constrói a solidificação do personagem em um arquétipo, que, depois, acaba sendo trabalhado de maneira subversiva. Isso, por sua vez, também sustenta a adoção da construção da sensualidade pelo desconhecido e não pela falta de controle — como em Rivais

Em um segundo momento, Queer se apresenta como um dos filmes mais criativos de Luca. Desde o começo do longa, há instantes que parecem ser inspirados em Lynch, porém, as coisas realmente ficam estranhas apenas no final. Chegando à América do Sul, Lee e Gene vão para a Amazônia, onde encontram uma doutora que estuda uma planta que promete aumentar o poder da telepatia. Depois de usarem a substância da planta, os dois entram em uma brisa: ambos vomitam seus corações e se fundem em um só corpo. Em seguida, Eugene conta para Lee que não é queer — como Lee pensava — e que nunca seria emocionalmente disponível para ele. Na volta para casa, Lee se perde de Gene e nunca mais o vê. Lee volta para a Cidade do México apenas dois anos depois.

Na parte final de Queer, todavia, todos os nós abertos se fecham. O filme, nisso, apresenta um mosaico cheio de imagens simbólicas — tantas que seria inútil cobrir todas aqui. Todavia, aqui vai a mais importante: em certo momento, Lee entra em um quarto e se encontra com Gene. O homem vê uma cobra se devorando, um ouroboros, que representa sua automutilação causada por seus vícios e pelos ciclos viciosos que ele sempre se colocava. No pescoço de Gene, um colar com uma centopeia andando, representando o fato de ele ter seguido em frente. Em um momento, Lee mata Gene e sorri, aliviado por ter conseguido se livrar dele, mas, rapidamente, se arrepende, mostrando que nunca estará livre da história que deixou de viver.

Embora bastante carregado, Queer ainda pisa em falso. Seu andamento, por vezes, acaba sendo lento demais, e vários pontos passam despercebidos — as dinâmicas de idade, como feito em Me Chame Pelo Seu Nome. Nesse sentido, Queer é um filme que parece querer ser divergente demais, mas esquece do básico: o sentimento é que ele não parece tanto ter um propósito, além de ser um experimento. Como consequência, tudo parece aquém — o ambiente raramente sintoniza com sucesso com os personagens — e sem direção. Para ser sincero, não há nada aqui que seja, propriamente, malfeito, mas as justificativas e motivações não são claras. Em outras palavras, sinto como se o motivo das coisas não importasse, apenas sua execução. No final, nem Queer parece se entender sua própria essência. 

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

Queer

Título Original: Queer

Diretor:

Lançamento: 2024

Duração: 135 mins.

Gênero(s): ,

Classificação: 16

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