Um dos maiores êxitos de O Brutalista (2024) é como este filme remonta uma época em que as grandes obras ainda faziam parte do circuito mainstream. Logo de início, as três horas e meia de duração do último trabalho de Brady Corbet rememoram alguns clássicos: E o Vento Levou (1939), Lawrence da Arábia (1962) e Titanic (1997). No pacote há também alguns elementos e ferramentas que apenas esses canônicos apresentam: uma abertura e um intertítulo anunciando um intervalo no meio do filme. Com o tempo, esse padrão quase monumental da produção e linguagem se perdeu, visto que as obras se tornaram mais curtas e dinâmicas. Nesse sentido, O Brutalista parece honrar uma tradição, mas, por vezes, não parece ter tanta justificativa para isso: esse é um filme que conta uma história grandiosa, mas seu personagem parece desfalcado de tamanha honradez.
No filme, o visionário arquiteto húngaro László Tóth (Adrien Brody) foge da Europa devastada pela guerra em busca de um novo começo na América. László foi separado de sua esposa, Erzsébet (Felicity Jones), e sua sobrinha, Zsófia (Raffey Cassidy), quando foi enviado para um campo de concentração. Em sua jornada para reconstruir sua vida, Tóth depara-se com um país de economia decadente e cultura sufocada. No entanto, quando o húngaro tromba com o industrial carismático Harrison (Guy Pearce), László ganha uma oportunidade que pode mudar tudo a seu favor: a chance de projetar um grande monumento modernista. O projeto ambicioso não só representa o auge da carreira do arquiteto, mas também permite que Erzsébet e Zsófia sejam trazidas para a América. Porém, quanto mais os três se inserem na elite local, mais percebem seu verdadeiro lugar na sociedade norte-americana.
Como muitos dos grandes dramas históricos, O Brutalista usa um personagem heroico como base para sua retratação documental. Com isso, acaba sendo fácil olhar para László e lembrar do Príncipe Salina, de O Leopardo (1963), ou de Lawrence, de Lawrence da Arábia. Nesses casos, o herói da história tem uma certa virtude, mas também é influenciável. Com isso, Tóth não é apenas um personagem carismático, com amigos de longa data e com senso de justiça, mas um personagem que, por mais simples que sejam seus comentários, eles impressionam pela genialidade. No entanto, ele também é facilmente corruptível: quando Erzsébet, agora cadeirante, chega aos Estados Unidos, fica claro que László nunca comentou tanto sobre sua esposa para seus novos amigos. Isso não significa que ele seja um cara ruim, mas que, talvez, seja um cara bom quando convém.
Com isso, László funciona não tanto como um herói virtuoso, mas sim como um anti-herói corrompido. Quando ele chega à América, ele fica algumas semanas com Attila (Alessandro Nivola), seu primo. No entanto, László é expulso de casa após a esposa do primo acusá-lo de dar em cima dela. Um tempo se passa e Tóth agora trabalha na área de construção como peão e se torna um viciado em heroína. Com isso, quanto mais ele adentra na sociedade americana, mais decaído ele fica. Isso se mantém até ele ser salvo pela elite local, que valoriza seu trabalho. Por consequência, há um segundo processo de corrupção: conforme László passa mais tempo com essas pessoas, mais estadunidense ele se torna. Nisso, ele tem mais chances de ter sucesso comparado a outros imigrantes, mas também ganha traços de agressividade e traição contra seu próprio passado.
Tóth tem outro grande desafio: enfrentar os Estados Unidos no ápice do Macartismo. Em um primeiro momento, a América é um país da mentira em prol do sucesso: o primo de László agora tem um novo nome, mais atrativo para os clientes norte-americanos. Nesse sentido, o tão famoso Sonho Americano é um pacote fraudulento: prostitutas baratas, auxílio a imigrantes de 25 dólares e filas enormes por comida em abrigos. No caso, nem os novos amigos do arquiteto — o ciclo social de Harrison — são confiáveis: quando há uma perda de materiais na construção do monumento, Harrison demite todos da equipe, inclusive László. Anos depois, Harrison decide retomar a construção e entra em contato com o arquiteto. No entanto, durante uma viagem à Itália em busca de mármore, Harrison estupra László quando ele estava bêbado e inconsciente.
Brady Corbet assina o filme com grande sucesso. Em primeiro lugar, ele costura tão bem as cenas que são poucos os momentos desse filme de mais de três horas que parecem excessivos. Em segundo, Corbet tem uma abordagem madura que renuncia a um ponto de vista e busca, da melhor forma possível, uma verdade. Com isso, as mesmas técnicas são usadas em contextos diferentes e são exitosas: tanto o plano sequência de abertura quanto aquele em que Harry busca por seu pai desaparecido são sufocantes do seu próprio jeito. Em conjunto, Corbet canaliza sentimentos e estados por meio de ferramentas. Nisso, os instantes em que László está drogado e a câmera passeia por instrumentos musicais de forma delirante sinalizam esses objetos como uma extensão irreal do ser humano quando eles estão chapados. Corbet estabelece essa provocação velada muito bem.
O Brutalista é um pacote fechado: ele é bonito, conta com diálogos bem elaborados e uma direção afiada. Em outras palavras, esse é um filme que abraça totalmente sua proposta: ele se propõe a ser grandioso e vende bem essa ideia. Como resultado, os trechos de paisagens urbanas, que funcionam como uma vitrine de arquitetura com significado além dos insights mais óbvios, são mesclados com momentos de catarse, como na incrível cena em que Erzsébet acusa Harrison de estupro. Todavia, seu maior problema acaba sendo a carência de conexão emocional. Esse não é um filme que muda sua vida. Por fim, quando você pensa sobre o hype de O Brutalista, você pensa que László, talvez, não é um herói tão grande assim.
(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)