Mickey 17

Direção —

Gêneros —

Ano — 2025

Mickey 17 (2025) acaba sendo um produto mediano: ele não se joga totalmente no absurdo, carece de personalidade na técnica e, por vezes, é político até demais.

Bong Joon Ho estourou globalmente com Parasita (2019), mas sua carreira de críticas sociais afiadas em uma estrutura ficcional começou muito antes disso. O diretor sul-coreano, desde Memórias de um Assassino (2003), já misturava realismo sombrio e humor absurdo para se debruçar sobre desigualdade e corrupção. Seus filmes usam alegorias relativamente exageradas — como em O Hospedeiro (2006) — ou sátiras tragicômicas intimistas — como no próprio Parasita —, sempre equilibrando crítica ferina com um desenrolar sagaz. Ou seja, seu estilo procura mostrar o absurdo do mundo real sem perder as características melodramáticas. Porém, Mickey 17, seu último filme, acaba sendo um produto mediano: não assume plenamente o absurdo, carece de personalidade em sua execução técnica e, por vezes, tenta ser excessivamente politizado. 

No filme, baseado no livro de Edward Ashton, Mickey Barnes (Robert Pattinson) é um “dispensável”: um funcionário descartável em uma expedição humana enviada para colonizar um novo planeta. Ele recebe esse título porque, depois de cada morte, um clone seu é criado em uma impressora humana e suas memórias são resgatadas de um backup feito em um disco externo. Com isso, Mickey é usado como cobaia nos mais diferentes experimentos: experimentar os efeitos da radiação do espaço ou ser usado como rato de laboratório para a descoberta de uma vacina para um vírus mortal. No entanto, após sua décima sétima versão ser deixada para morrer, Barnes é salvo pelas criaturas que habitam o planeta. Voltando para a nave, ele se depara com sua nova versão já impressa: diante do fenômeno de múltiplos, Mickey entra em uma espiral para descobrir o significado da sua existência. 

Mickey 17 é o filme que sucede Parasita — para muitos, o filme mais político do diretor. Nesse sentido, considerando a recepção do antecessor, era de se esperar que a crítica social de Joon Ho também estivesse presente nessa nova produção. É verdade que Mickey 17 é um filme indagador em várias camadas, e esse acaba sendo o problema: ele é excessivo nos comentários e causas que quer abraçar, resultando em uma obra que parece obrigada a cumprir uma lista de causas para abordar. No centro, há um comentário interessante sobre como os trabalhadores são descartáveis em um sistema elitista. Isso, por si só, acaba sendo abordado sem muita profundidade. Além disso, aí vem o resto: anti-imigração, Donald Trump e supremacia branca no novo planeta. Claro, todas atuais, dentro do contexto americano, mas tudo respinga na tela por uma necessidade vazia e não uma vontade proposital.

Com isso em mente, penso como seria mais interessante abordar as implicações existencialistas dos fenômenos da clonagem e da multiplicação humana. Em algum grau, há um leve discurso ontológico, mas pouco aprofundado. No caso, Mickey se culpa por matar sua mãe quando criança. Ele acredita que provocou um acidente de carro que causou a morte de sua mãe — o que, mais tarde, é refutado por seu clone. Nesse meio-tempo, Barnes acredita que toda sua trajetória como descartável é uma punição divina. Esse é um texto interessante, mas que, por ser breve e muito verbalizado, acaba perdendo intensidade. No mais, todo debate sobre a duplicata acaba sendo mais destinado a um conflito dramático entre os personagens do que a uma reflexão de essência filosófica. Com isso, a grande questão — “O que faz você ser você?” — não é levantada em momento algum.

Deixando isso de lado, Barnes é um dos personagens mais interessantes de Pattinson — que, por sua vez, está incrível. Um dos principais fatores para o êxito de Mickey é sua centralidade cômica: o humor do filme é bastante inteligente e consegue concretizar uma certa atemporalidade por apostar em comédia situacional — a impressora de humanos que constantemente trava durante o processo — e relativamente absurda — os experimentos aos quais Mickey é submetido são tão irracionais e contraditórios que chegam a um efeito cômico. O que complementa isso acaba sendo a personalidade da décima sétima versão do rapaz, que é uma espécie de jovem abobalhado e medroso. Nessa construção, ele é também um pouco caricato, mas numa medida certa — ou, pelo menos, numa suposta dose certa para não competir com o resto caso esse filme fosse mais ousado.

Assistindo ao filme, uma das minhas maiores inquietações foi como a representação de Trump, ou melhor, da elite burra norte-americana, é leviana e não tão agressiva. Claro que o líder Marshall (Mark Ruffalo) e sua esposa — uma tradução direta do governante estadunidense — são um pouco caricatos quanto à sua inteligência, mas penso que essa representação poderia ser ainda mais absurda, principalmente pelo lado visual. Logo de cara, me lembro um pouco de Jogos Vorazes (2012), com os ricos caracterizados por uma aparência vitoriana teatral. Eu acho que esse absurdo maior na caricatura antielitista funcionaria melhor, tanto no deboche quanto na ligação com Barnes — como Mickey e Marshall estão no mesmo nível de “abobalhados”, a crítica perde força: nosso protagonista não é tão heroico e nossos vilões não sofrem tanto perante sua própria existência. 

Dito isso, Mickey 17 acaba sendo um filme de passos receosos. Bong Joon Ho, inclusive, tem uma presença apagada: sua direção é eficaz, mas carece de estilo e presença. Para ser sincero, seu trajeto ao longo do filme se resume a planos bonitos que poderiam ter sido inspirados por Pobres Criaturas (2023). Além disso, diversos elementos parecem desamarrados da história: a droga futurista e a personagem Kai (Anamaria Vartolomei). Como consequência, um dos únicos elementos interessantes são os alienígenas, que acabam sendo uma das poucas coisas mais bem estruturadas. No final do filme, antes de Mickey 18 matar Marshall, o clone hesita porque ele também seria morto na explosão. O que fica, assim, é que a condição humana é um medo resignado diante da morte. Espero que demore bastante até termos que confirmar essa teoria na prática.

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

Mickey 17

Título Original: Mickey 17

Diretor:

Lançamento: 2025

Duração: 139 mins.

Gênero(s):

Classificação: 16

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