Em muitos sentidos, Faça Ela Voltar (2025) é um filme de terror completo: temos uma quantidade absurda de sangue inserida num contexto sobrenatural e de perturbação psicológica. Todavia, embora seja uma obra de ficção, seu eixo orientador é muito mais próximo de nós do que parece. Se a morte é um mistério, o luto é outra grande incógnita e, nesse momento, a mente entra em uma espiral. Para a psicologia junguiana, por exemplo, é comum as pessoas procurarem pelo “pensamento mágico arcaico”: na busca de negar o caráter irreversível da morte, rituais mágicos e consulta a necromantes parecem um caminho. Do ponto de vista da antropologia, grupos esotéricos e ocultistas surgem com a promessa de contato com o além. Faça Ela Voltar discorre sobre os caminhos diferentes para lidar com o luto. Porém, o mais assustador é que isso está mais próximo de nós do que pensamos.
No filme, após a morte repentina de seu pai, Andy (Billy Barratt) e sua meia-irmã cega, Piper (Sora Wong), são acolhidos por Laura (Sally Hawkins), uma ex-conselheira peculiar que vive com um garoto mudo chamado Oliver (Jonah Wren Phillips). Enquanto tentam se adaptar à nova casa, marcada pela ausência da filha de Laura, que se afogou anos antes, Andy começa a desconfiar das intenções de sua tutora. A relação afetuosa entre Laura e Piper, somada ao comportamento inquietante de Oliver, acende um sinal de alerta sobre a família improvisada. Conforme a situação se torna mais estranha, Andy tenta proteger Piper, mas começa a ser manipulado emocionalmente por Laura e questiona sua estabilidade mental. Dividido entre os fantasmas do passado e uma ameaça crescente no presente, Andy se vê confrontado com forças que desafiam a lógica.
O primeiro elemento que deve ser considerado é a relação dos irmãos. No começo do filme, essa ligação é bonita, ainda que nem sempre honesta: por vezes, o irmão mente para a irmã para não chateá-la, em um tom de proteção. Todavia, conforme a obra se desenrola, a relação se complexifica e ganha ainda mais dimensão. Depois da morte do pai, os irmãos descobrem que, a princípio, Laura só tinha interesse em adotar Piper. O motivo é que Laura não queria ninguém problemático. Só mais tarde, ficamos sabendo, em uma conversa entre Andy e Laura, que o rapaz bateu em Piper quando ele tinha oito anos. O que acontece é que o pai de Andy se casou com a mãe de Piper e passou a ignorar o filho. Desesperado por atenção, o menino começou a se comportar mal, o que resultou em agressões físicas por parte do pai. Mas, apesar de tudo, Andy conseguiu desenvolver um afeto por Piper que ninguém poderia questionar.
Colocar em evidência a relação dos dois irmãos é importante porque é o ponto-chave que Laura usa para traçar seu caminho. Falando um pouco sobre Laura, seu primeiro contato com os irmãos não é dos melhores: quando os irmãos chegam à casa da guardiã, ela não os recebe na porta. No caso, eles entram enquanto uma música toca em um volume alto — o que achei uma tática inteligente para sugerir um presságio de agressão sobre um dos sentidos em que Piper, por ser cega, confia para se orientar. No começo, Laura parece apenas uma mulher brega que adota crianças para acobertar o luto pela morte de sua filha — e que, além disso, não gosta nem um pouco de Andy. Não demora muito para a máscara de Laura cair para nós: no velório do pai dos irmãos, a mulher corta alguns fios de cabelo do defunto e ainda força Andy a beijar o homem nos lábios — o que ela afirma ser uma tradição.
Faça Ela Voltar é um filme que desperta diversos sentimentos — um deles, em especial, é a raiva. Durante grande parte do filme, Laura cria um jogo psicológico de abuso contra Andy. É verdade que o jovem chamou Oliver de “esquisito” no primeiro dia, e Laura descobriu, mas isso está longe de justificar seu comportamento. Primeiro, Laura tenta colocá-lo em um estado infantil: ela urina em uma jarra e despeja o conteúdo nas calças do rapaz enquanto ele dorme para fazer parecer que ele fez xixi na cama — algo que Laura usa contra ele na frente da irmã. Laura também revela a Piper que Andy mente — no velório, Piper pergunta se o pai estava bonito, Andy responde que sim, sem sequer olhar para o corpo. Com isso, lentamente, Laura consegue desestabilizar tanto Andy quanto a percepção que Piper tem dele. Você consegue escapar disso, mas sente cada momento.
Laura pode não ser uma incógnita — afinal, ela usa roupas coloridas no velório do pai dos irmãos —, mas Oliver é um mistério à parte. No início, ele é apresentado como um garoto mudo por um trauma, mas já há uma sensação de que há algo mais. Conforme a obra avança, as coisas só ficam mais estranhas. Uma das sequências mais memoráveis ocorre quando Andy, sozinho em casa com Oliver, tenta fazer amizade com o menino. No momento, Andy corta um pedaço de fruta com uma faca e o entrega a Oliver e, de repente, vê o garoto mastigando a faca. O rapaz tenta levar Oliver para o hospital, mas, ao saírem do terreno da casa, demarcado por um círculo, o garoto começa a gritar, ao passo que algo em sua barriga começa a mexer. Mais tarde, descobrimos que o garoto está possuído por um demônio, que o faz se alimentar do cadáver da filha de Laura. Também quando Andy vai até a delegacia para denunciar Laura, descobre que Oliver é, na verdade, um menino desaparecido.
Percebo agora que passei grande parte do texto descrevendo emocionalmente o filme. No entanto, penso que isso apenas mostra o quão bem dirigida essa simples história acaba sendo. Um dos grandes êxitos dos diretores, os gêmeos Danny e Michael Philippou, é o uso da deficiência de Piper de forma indireta na construção do terror. No começo do filme, enquanto a menina corre pela casa desesperada antes de encontrar o pai morto no banheiro, a câmera segue a mão dela, que tateia pela casa. Isso se estende para o uso do som e na maneira sofisticada como os barulhos se propagam pela casa. Na sequência final, quando Andy chega com a assistente social, Wendy (Sally-Anne Upton), na casa de Laura, há duas construções de suspense paralelas: uma relacionada à possibilidade de Laura atacar Wendy e outra centrada na expectativa de que Andy seja bem-sucedido em sua denúncia. Tanto no simples quanto no complexo, a direção é bastante habilidosa.
Encerro dizendo novamente que Faça Ela Voltar é um filme de terror completo. Não pense que ele tem um final feliz: após descobrirem a verdade, Wendy e Andy tentam escapar, mas Laura consegue atropelar a mulher e afogar o garoto. Piper, por sua vez, quase é morta para completar o ritual para “ressuscitar” Cathy — ela só consegue escapar porque grita “mãe”, o que comove Laura, que decide permanecer deitada na piscina, abraçada ao corpo da filha. Enquanto Piper consegue escapar, Oliver sai do círculo e se livra do demônio que o possuía. É verdade que existem algumas ambiguidades aqui, bem como há um forte sentimento de frustração pelo fato de Andy ter falecido pouco antes da vitória. No entanto, o triunfo maior é do filme: um ótimo horror que envolve um pouco de tudo em uma fórmula bem dosada e executada com grande eficácia.
(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)