A Longa Marcha: Caminhe ou Morra

Direção —

Gêneros —

Ano — 2025

O novo filme distópico de Francis Lawrence funciona pela lógica do interesse. Embora seja bem-sucedido na maior parte do tempo e consiga construir um bom gancho, não há muita substância por baixo dos panos.

Para saber se um filme distópico e pós-apocalíptico é bom, basta pensar em um aspecto específico: ele consegue fazer com que as pessoas saiam de suas casas para ver um possível futuro devastado que as aguarda? Gosto de pensar por esse prisma porque me lembro de quando um crítico de cinema argumentou contra esse subgênero. Afinal, por que as pessoas vão ao cinema assistir ao que elas podem ver de graça na televisão? Em alguns casos, o que as pessoas assistem na televisão consegue ser ainda pior. Com isso em mente, esses filmes, para valerem a pena, precisam se empenhar para criar e manter interesse. O novo filme distópico de Francis Lawrence, A Longa Marcha: Caminhe ou Morra (2025), parece entender isso, ao passo que funciona seguindo essa máxima. Porém, embora seja exitoso na maioria do tempo e consiga construir um gancho, não existe muita substância por debaixo dos panos.

O filme, baseado em um conto de Stephen King, se passa nos Estados Unidos alternativo do século XX. Devastado por uma guerra e submetido a um regime militar totalitário, o governo institui um ritual anual chamado de Longa Caminhada, em que cinquenta adolescentes são selecionados para participar de uma prova transmitida em rede nacional. O desafio é caminhar sem parar, mantendo o ritmo mínimo de 3 milhas por hora. Quem desacelera ou para, recebe três advertências antes da execução sumária. O vencedor ganha fama, fortuna e o direito de realizar um único desejo. Entre os competidores está Ray Garraty (Cooper Hoffman), um jovem que busca um futuro melhor para a mãe, mesmo contra a vontade dela. Conforme os dias avançam e o cansaço, a fome e o desespero se acumulam, os garotos criam laços improváveis, unidos pelo desejo de derrubar o sistema que os condena.

Considerando que A Longa Marcha é baseado em um trabalho de King, ficam bastante claras quais são as duas esferas principais que sustentam o interesse no filme. Em primeiro lugar, assim como ocorreu em Conta Comigo (1986), grande parte do charme do filme procura se consolidar por meio da construção das relações. Nesse caso, King escreveu esta história na década de 1960, inspirado pela Guerra do Vietnã e pelo sentido de camaradagem masculina dos soldados. Seu objetivo era explorar o tipo de vínculo masculino adolescente que pode surgir em um contexto de pré-morte — ou, pelo menos, de intenso estresse. O filme é exitoso nesse quesito, visto que costura bem as relações sem malabarismos. Essa solidificação acontece por um meio que, por vezes, pode ser uma saída fácil, mas que, aqui, funciona como gancho de interesse: os diálogos. Nisso, enquanto os rapazes conversam principalmente sobre fé, um certo teor atrativo surge: as falas são, em grande parte, simples, mas suficientemente amigáveis para você se sentir parte daquilo. 

No entanto, esses personagens funcionam não por sua originalidade ou peculiaridade, visto que eles se encaixam nos estereótipos mais tradicionais, nada de especial. Nesse sentido, temos nosso herói Ray e seu melhor amigo Pete (David Jonsson), acompanhados por Olson (Ben Wang), o alívio cômico, e Barcovitch (Charlie Plummer), um suposto vilão que busca redenção. Em certo nível, o filme também adota a falta de cerimônia para facilitar as coisas: em uma cena inicial, o didatismo assume a frente quando os personagens são apresentados por meio de uma chamada nominal dos garotos. Claro que funciona, mas também é verdade que essa é uma opção mais fácil. Conforme o filme avança, as nuances desses personagens constituem um importante foco de interesse, compensando seus arquétipos. Isso, por sua vez, abre margem para suposições. Declaro-me culpado de pensar, em vários momentos, que Pete era gay, enquanto as lutas internas de Barcovitch provocam o suficiente para causar curiosidade, mas não tanto para causar derivamentos.

Um segundo ponto que sustenta o interesse em A Longa Marcha é a presença da morte como um fenômeno horizontalmente dinâmico. Penso nos momentos de assassinato dessa forma porque considero que essas cenas de brutalidade funcionam tanto quando focam em apenas um rapaz quanto quando adotam uma violência massificada. No caso das mortes isoladas, essas cenas atuam como motores de emoção ou repulsão. Com isso, enquanto as mortes de Olson ou Harkness (Jordan Gonzalez), um rapaz que buscava escrever um livro sobre a caminhada, causam tristeza, a morte de Ronald (Jack Giffin), assassinado enquanto parou de andar para defecar, gera revolta. Ademais, existe uma cena na qual os garotos são obrigados a caminhar em uma subida, mas muitos não conseguem e são mortos. Nesse momento, a tensão é causada não só pela incerteza de vida, mas pela forma como Lawrence escolhe capturar tudo somente pelo ponto de vista de Ray. Admiro também a normalização do gore: existe violência, mas ela não é romantizada ou repudiada visualmente.

No entanto, por mais que A Longa Marcha mantenha nosso interesse, ele não dá muito pano pra manga quando o assunto é o que está por debaixo da situação. Diferentemente dos outros filmes que Lawrence dirigiu — em que o contexto da sociedade decadente da obra era visual e exageradamente demonstrado —, esse filme carece de qualquer sinalização externa. Por que isso é importante? Os meninos só estão nessa situação mortal por causa desses elementos externos. Claro que entendemos que os Estados Unidos estão passando por uma crise e o prêmio em dinheiro do vencedor pode mudar vidas, mas, talvez, isso não seja suficiente. Além disso, penso que toda questão do televisionamento da caminhada é praticamente ignorada, quando poderia ser um dos elementos mais incisivos do filme. Com isso, esse é um filme que nasce de crítica, mas que nunca vai por esse lado. 

São filmes como esse que me passam uma sensação de superficialidade do imediatismo crítico. Digo isso porque não consigo deixar de olhar para esse filme como um testamento contra os movimentos fascistas do governo de Trump. No entanto, essa é uma produção claramente feita às pressas, com o único objetivo de ser um produto que se coloca contra o governo. Com isso, o resultado é mais um filme que é mais crítico em teoria do que na prática. Olhe, por exemplo, para as frases prontas que os rapazes proferem: “This ain’t fair” e “Fuck the long walk”. Com certeza, eu partilho desse sentimento, mas sabemos que podemos fazer melhor do que isso. No final, claro que A Longa Marcha é divertido, causa tristeza e repulsa, mas não vai além disso. O problema desse entrave, porém, vem do próprio filme, que sempre parece se colocar como algo que vai além dessa proposta de entretenimento. 

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra

Título Original: The Long Walk

Diretor:

Lançamento: 2025

Duração: 108 mins.

Gênero(s):

Classificação: 18

MAIS CRÍTICAS

2025

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (2025) propõe um recomeço simbólico ao MCU ao resgatar um senso de otimismo que outrora definia seus heróis.

2025

Superman (2025) resgata a dimensão política esquecida do herói, combinando crítica com uma nostalgia cartunesca em um filme oportunamente político.

2025

Mickey 17 (2025) acaba sendo um produto mediano: ele não se joga totalmente no absurdo, carece de personalidade na técnica e, por vezes, é político até demais.

2022

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (2022) é um filme que já nasceu clássico.