Há uma tentativa dos teóricos do cinema de horror de pensar em uma ideia de um gênero que é progressivo e até mesmo contra uma concepção mais típica do terror. Claro que grande parte dessa discussão surge do entendimento primário do gênero de Noël Carroll: para uma produção ser considerada uma obra de horror, ela precisa gerar repulsa pela imagem e apresentar uma figura de monstro — que, por sua vez, é responsável por gerar essa aversão. Quanto ao post-horror ou anti-terror, as noções de construção se voltam mais para a ambientação, que passa a ocupar o papel de responsável pela abjeção. No caso de A Hora do Mal (2025), pode-se pensar que esse filme se encaixa dentro desse movimento de oposição. Por mais que a obra assinada por Zach Cregger contenha imagens gráficas e um tal monstro, seu enfoque está longe de se limitar apenas ao gênero.
No filme, um acontecimento inexplicável assombra a comunidade da pequena cidade de Maybrook: em uma madrugada, dezessete crianças desaparecem misteriosamente, deixando para trás apenas um garoto, Alex Lilly (Cary Christopher). Entre a desconfiança dos moradores e a pressão da polícia, a professora Justine Gandy (Julia Garner), responsável pela turma, se vê cada vez mais isolada, mergulhando em uma espiral de suspeitas, alcoolismo e obsessão por descobrir a verdade. Enquanto o pai de uma das crianças, Archer (Josh Brolin), inicia sua própria investigação, uma figura enigmática chega à cidade: Gladys (Amy Madigan), tia materna de Alex. Entre sonhos perturbadores e uma crescente onda de paranoia, Justine e outros membros da comunidade são arrastados para um segredo aterrador escondido dentro da pequena cidade.
Um dos êxitos de A Hora do Mal é seu roteiro. No filme, seguimos alguns personagens. Suas relações, por sua vez, são responsáveis não pelo desenvolvimento da história, mas por sua mostração. Justine, para começar, é uma jovem chata preocupada com seus alunos, o que faz com que ela acabe ultrapassando as barreiras de um relacionamento saudável entre professora e aluno. Ela teve um caso com Paul (Alden Ehrenreich), um policial ex-alcoólatra que não hesita em trair sua nova esposa com Justine. Em paralelo, Archer é um pai que sofre diariamente com a perda do seu filho e inicia uma investigação diante da falta de respostas da polícia. Nesse meio, Anthony (Austin Abrams) é um jovem drogado espancado por Paul durante uma abordagem policial. O triunfo aqui é a naturalidade que essas pessoas têm seus dias amarrados e como esses nós servem para explicitar, gradualmente, o enredo do filme.
Nesse sentido, o filme torna-se um post-horror por priorizar a dramatização do seu universo antes de trabalhar só com os elementos típicos do gênero. No caso, depois da introdução sobre o contexto do filme, a história parte para se preocupar em como as relações vão proporcionar um desenvolvimento sem, necessariamente, incrementar a situação inicial. Nesse momento, o filme quase vira um thriller investigativo na forma como esquematiza o jogo de personagens. Porém, além desse clima híbrido característico dos anti-terrores, essas relações são sofisticadas também no nível fílmico. Paul, por exemplo, mostra-se como um cara bacana que tem alguns desequilíbrios. Porém, o maior problema de Paul não é o fato de ele bater injustamente em um jovem, mas sim ser “corrompido” por Justine. Nisso, Justine não é uma bruxa apenas para o filme, mas para nós também — uma construção bem ousada e dinâmica.
Dito isso, A Hora do Mal não nega totalmente o gênero de terror — ele foca mais em uma elaboração mais refinada. Olhe, por exemplo, para a figura de Gladys, uma bruxa que aparece na cidade para roubar a vitalidade das pessoas para se manter viva. Primeiro, ela faz isso com os pais de Alex, mas, quando percebe que eles não são suficientes, ela obriga o menino a trazer itens pessoais dos seus colegas. Com isso, ela consegue amaldiçoar todas as crianças. Essa bruxa é o nosso monstro e ela provoca imagens grotescas: em uma cena, triste e violenta, ela faz o diretor da escola assassinar seu marido. O curioso dessa personagem é que ela tem uma aura de “diva” e algumas de suas cenas são emblemáticas, mas a sutileza é inteligente: você nunca gosta dela. Em paralelo, não são poucas as referências a outros filmes, como Pânico (1996), ou técnicas, tais como voyeurismo, na construção dos sustos e suspense.
No terror, os inocentes são meros dispositivos narrativos. Por isso, são poucos os filmes que conseguem criar uma comoção verdadeira acerca dessas pessoas — A Hora do Mal é um deles. Depois que Gladys é detida e esquartejada pelas dezessete crianças, é revelado que todas as pessoas enfeitiçadas por ela ficaram em um estado vegetativo. Além disso, os momentos de tortura contra os pais de Alex, como na cena das garfadas, são bastante revoltantes. Para ser sincero, até mesmo quando Justine mata Paul, quando ele está hipnotizado, você sente um pouco de pena. Honestamente, isso deriva do preceito do filme de contar essa história a partir da lente trágica — justamente por não complexificar a situação inicial, apenas apresentar um desfecho para ela, tudo parece um acidente. Em outras palavras, A Hora do Mal é sofisticado, seja adotando ou negando seu gênero.
(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)