A Igualdade é Branca

Direção —

Gêneros —

Ano — 1994

A Igualdade é Branca (1994) é um dos melhores exemplos da queda de um homem e de uma tentativa frustrada de redenção. No entanto, o melodrama masculino, por vezes, parece um tanto perdido.

O melodrama feminino, tido como woman’s film, centra-se em figuras femininas que enfrentam conflitos domésticos, opressão patriarcal e sofrimento emocional, bem como têm sua moralidade do sentimento testada dentro de circunstâncias sociais e familiares. Mas, será que existe tal coisa como o melodrama masculino? Bem, sim! Essas obras subvertem as dinâmicas e colocam um homem falido em plena crise de sua masculinidade — ou daquilo que reforça uma noção de masculinidade. Ou seja, nossos heróis sofrem com um processo de emasculação marcado por humilhações e perdas materiais associadas à perda simbólica do falo. No meio de falhas econômicas, sexuais ou sociais, ridiculariza-se, no melodrama masculino, a figura do “homem tradicional”. Em A Igualdade é Branca (1994) temos um dos melhores exemplos da queda de um homem e de uma tentativa falha de sua redenção.

No filme, Karol (Zbigniew Zamachowski) é um cabeleireiro e imigrante polonês que mora na França, onde vive com sua esposa francesa Dominique (Julie Delpy). Quando ela decide separar-se dele por causa de sua impotência sexual, Karol acaba perdendo tudo e passa a mendigar no metrô de Paris. Mesmo humilhado pela ex-esposa, Karol ainda é obcecado por ela. Enquanto vê Dominique seguindo em frente e relacionando-se com outros homens, Karol se aproxima de outro polonês, Mikolaj (Janusz Gajos). Com a ajuda desse novo companheiro, Karol consegue retornar ao país de origem de maneira ilegal. Na Polônia, ele volta a cortar cabelos no salão do irmão e, depois, passa a se envolver com uma máfia local. Construindo um império e uma fortuna, Karol está determinado a se vingar de sua ex-esposa, mesmo ainda a amando. 

A Igualdade é Branca é o único filme da trilogia em que temos um protagonista homem. Claro que na primeira e na terceira parte da série de filmes, os rapazes desempenham um papel fundamental, mas são as mulheres que ocupam o centro da narrativa. Além de ser o protagonista, Karol é um herói que sofre bastante. É verdade que ele não perdeu sua esposa e filha em um acidente como Julie no filme anterior, mas existem dois pontos importantes: seu sofrimento é episódico e repetitivo, ao passo que ele não recebe redenção alguma no final. Com isso, Karol é bastante azarado: uma pomba faz cocô em seu paletó, ele ouve sua ex-amada transando pelo telefone e, também, é roubado quando a mala em que ele estava escondido é extraviada por bandidos. No entanto, o pior é quando ele vê seu cartão de crédito ser cortado: em algum nível, isso simboliza seu pinto sendo cortado. 

Com isso, fica claro que um dos eixos narrativos do filme é o complexo da castração aplicado na figura de Karol. Em uma das cenas iniciais, o casal está no tribunal para oficializar o divórcio. Dominique dá seu depoimento, dizendo que o casamento nunca foi consumado. Logo em seguida, Karol se desespera, argumentando que pode reconquistar o amor de sua esposa. Enquanto ele luta para sobreviver — mostrar que ainda pode transar —, Dominique, com sutileza, destrói toda sua noção de hombridade. Em um primeiro momento, isso pode parecer uma típica vingança feminina, mas depois você entende que a raiva dela vai mais fundo: Karol não consegue oferecer o que ela precisa — e não apenas na cama. É verdade que Dominique tem duas facetas — boa moça devastada ou mulher vingativa — e ambas o machucam, com ou sem intenção.

Penso que é nessa canalização da castração e da impotência sexual como símbolos da decadência masculina que a cor branca é representada. Além da neve — que constitui uma ambientação mais fraca comparado ao esquema de A Liberdade é Azul —, são três pontos em que o branco é chave. No primeiro, vemos Dominique vestida de noiva, com o véu branco, símbolo do início de tudo. Em seguida, temos uma estátua de busto feminino, que Karol cuida como se fosse sua esposa — quando essa estátua quebra, inclusive, ele tenta consertá-la como se fosse Dominique. Por último, temos o esperma que nunca vemos. Com isso, o branco é tanto começo quanto fim, bem como acaba sendo o único elemento com potência suficiente para consertar as coisas. No entanto, assim como a ejaculação de Karol, você se pergunta: alguma dessas coisas sequer é real? Bem, não. 

Após voltar para a Polônia e construir um império, Karol planeja sua vingança contra Dominique. Entre os três filmes, esse é o mais literal — inclusive, talvez seja por isso que é nesse ponto que as coisas param de ser tão boas e elaboradas. Na busca de ferrar com sua ex-companheira, Karol deseja uma reparação proporcional ao sofrimento que viveu. No entanto, essa atitude parece simples, principalmente porque, mesmo depois de Karol colocar Dominique na prisão, ele ainda não segue em frente com sua vida. Nisso, seria mais interessante que a tal igualdade fosse mais marcada por um estado de insignificância do que por uma vingança barata. Olhe para Julie, do filme anterior, que além de buscar sua liberdade, teve outro propósito de vida. Karol, por sua vez, continua preso no seu passado — mas essa não parece ser a mensagem do filme. 

Nesse momento, faça um comentário com todo respeito: A Igualdade é Branca parece mais um episódio de O Decálogo (1988-1989) do que algo pertencente à Trilogia das Cores. Digo isso porque essa moral “simplista” parece uma lição típica de uma releitura bíblica pós-moderna, diferente de obras mais elaboradas feitas depois. Nisso, a superação do herói sem a oposição de um vilão claro é mais evidente na primeira e na terceira parte da trilogia, enquanto aqui isso não fica muito claro. Como consequência, temos o filme mais fraco dos três, não só por isso, mas também porque há personagens que parecem avulsos, pontos narrativos mal fechados e instantes catárticos fracos. É verdade que o produto ainda é bastante bom — na verdade, ele é ótimo —, mas quando estamos falando de Kieślowski, a régua é sempre alta — bastante.

Há alguns anos, quando assisti à Trilogia das Cores pela primeira vez, lembro-me de ter gostado muito mais de A Igualdade é Branca. Na verdade, lembro de ter gostado mais dessa segunda parte do que da primeira. Isso se deve ao fato de que, na época, o apelo melodramático provavelmente teve mais efeito sobre mim. Com isso, o desejo de ver sobressair-se em relação a Dominique era mais forte e a busca por uma vingança acima de tudo era a única saída para ele — e para nós. Porém, você amadurece e percebe que, às vezes, a melhor vingança é a indiferença, a única que Karol não conseguiu concretizar. Na cena final, ele visita Dominique na cadeia após armar para que ela fosse presa por assassiná-lo por causa de sua herança. Mesmo observando-a da janela, ele a vê e chora. Ora, Karol, você não é um homem porque não fica duro, você não é um homem porque você não supera. 

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

A Igualdade é Branca

Título Original: Trois Couleurs: Blanc

Lançamento: 1994

Duração: 91 mins.

Gênero(s):

Classificação: 14

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