A Verdadeira Dor

Direção —

Gêneros —

Ano — 2024

O segundo longa-metragem dirigido pelo ator americano Jesse Eisenberg é um esforço rápido, relativamente profundo e eficaz, mas que revela um diretor ainda sem assinatura. 

O personagem Benji (Kieran Culkin), de A Verdadeira Dor (2024), poderia ter sido escrito por Albert Camus. No caso, o escritor francês dialoga essencialmente com um conceito que define bem o papel de Culkin: o homem absurdo. Para Camus, este fundamento determina um indivíduo que reconhece o vazio da existência, mas continua vivendo mesmo assim, quase zombando do destino. Nesse sentido, o absurdo representa a tensão entre o desejo humano de significado e a indiferença do mundo, que pode levar a várias respostas, incluindo o suicídio ou o niilismo. Por mais que Benji seja assim, A Verdadeira Dor aposta em uma abordagem mais calorosa para explorar o seu existencialismo.

Escrito e dirigido por Jesse Eisenberg, o filme acompanha David (Jesse Eisenberg), um pai reservado e pragmático, e Benji, seu primo excêntrico e boêmio. Apesar das suas diferenças, os dois eram bem próximos na infância e adolescência, mas se afastaram pelos compromissos da vida adulta. Para homenagear a avó recém-falecida, ambos se reúnem para embarcar em uma viagem à Polônia. Além de visitar a antiga casa de sua avó, participam também de uma excursão que rememora o Holocausto. Durante o trajeto, antigas tensões entre os primos ressurgem, desdobrando um passado amargo: Benji não é tão feliz quanto parece, ao passo que David gostaria de ser como seu primo. 

A Verdadeira Dor é o típico filme que concentra seus esforços em seus personagens, bem como confia seu êxito a eles. Desse jeito, a dinâmica estabelecida aqui é um pouco batida, mas ainda funcional. Por um lado, David é um cara reservado, relativamente tímido e pé no chão, que, embora tenha uma rotina monótona em Nova Iorque, consegue ser bastante feliz com seu trabalho, esposa e filha. Por outro lado, pode-se dizer que Benji, apesar de sua tentativa honesta de positivismo, pende para um lado mais niilista da vida, sendo um quase esquerdista e derrotista. Nisso, A Verdadeira Dor sustenta seus conflitos pelo choque progressivo de ambos: quanto mais o filme caminha, mais as suas diferenças criam uma montanha-russa de convergência e divergência entre Benji e David.

O trabalho focado no jogo de contraste entre os dois, em um primeiro momento, acaba sendo manjado e clichê. Todavia, o que salva essa dinâmica é que há um desdobramento mais intrincado. No segundo dia da viagem, Benji acorda de mau humor. No final do passeio, após ele fazer comentários desconfortáveis no jantar do grupo de viagem, David revela que, embora seu primo seja uma ótima pessoa, meses antes ele havia tentado se suicidar e que esse foi o real motivo de eles terem se afastado. O ponto de vista de David é uma mistura de tristeza e raiva. Quer dizer, ele gostaria de poder ser igual a seu primo, logo, acha um absurdo que Benji tenha tentado acabar com tudo que ele sempre sonhou em ser. Por outro lado, sua raiva e inveja parecem mascarar uma tristeza mais latente. 

No entanto, existe um problema fundamental em A Verdadeira Dor. É verdade que Benji critica David por ter perdido a sua antiga espontaneidade e paixão pela vida, enquanto David se debate com as explosões do primo. Porém, para um filme que confia tanto em seus personagens, essas questões parecem sugestivas e imaginativas demais. Em outras palavras, sinto que o filme foca demais no presente, sem, propriamente, mapear o caminho que o levou até ali. Com isso, você sabe que Benji luta contra uma depressão e parece estar preso à sua juventude, mas não sabe bem o que aconteceu. Por outro lado, David está satisfeito com sua vida e, com certeza, ama sua esposa e filha, mas será que ele se odeia tanto a ponto de nunca ter superado o fato de não ser Benji?

Em certa medida, essa falta de comprometimento com o aprofundamento é notória, mas, em compensação, permite que A Verdadeira Dor seja um filme leve e direto ao ponto. Claro que sinto que as questões trabalhadas poderiam ser sentidas de forma mais profunda se não soassem, por vezes, aquém — mas isso não significa que elas não estejam presentes. Com isso, pelo menos, esse é um filme leve: apesar do assunto denso do Holocausto, Eisenberg conseguiu equilibrar bem os fatos históricos com sutileza. Em uma cena, Benji e o grupo posam em frente às estátuas históricas dos soldados poloneses. Mais tarde, em um cemitério, Benji pede que o guia deixe de lado os fatos históricos e que seja menos frio com as pessoas que estão enterradas ali — elas são mais do que números e livros de história.

Eisenberg, na direção, entrega algo sólido, mas ainda bastante precoce. Sua assinatura precisa encontrar sua própria voz e, enquanto isso, ela parece costurar o filme com planos calculados de paisagens e da cena urbana. O resultado é bonito, mas, talvez, artificial demais para um filme que tenta ser tão humano. No final, Benji nega visitar a casa de David e prefere ficar sentado no aeroporto. Enquanto ele se senta e sofre em silêncio, a vida de David segue em frente. Embora essa seja uma afirmação questionável com toda a história apresentada até ali, talvez essa seja a verdadeira dor: aquela que ninguém ouve.

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

A Verdadeira Dor

Título Original: A Real Pain

Diretor:

Lançamento: 2024

Duração: 89 mins.

Gênero(s):

Classificação: 16

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