Filmes de terror que incorporam animais em sua narrativa não são nenhuma novidade. Seja apresentando-os como criaturas naturalmente assassinas — como nas franquias Tubarão e Piranhas —, seja subvertendo a figura do imaginário dócil — como em Cujo (1983) —, tais obras costumam retratar os animais como antagonistas, enquanto os humanos permanecem, ainda que indiretamente, na posição dos “bons moços”. Bom Menino (2025), por sua vez, aposta em consolidar uma nova vertente de filmes de terror: dessa vez, um cachorro inocente é o nosso protagonista, presenciando a decadência de seu dono em meio aos fantasmas de uma casa assombrada. Embora seja feito inventivamente, o filme ainda é mais puxado para um certo melodrama do que para um filme de horror. Com isso, poucos elementos em Bom Menino se sustentam no gênero de horror, porém, grande parte do êxito do filme deve-se ao drama.
O filme, assinado por Ben Leonberg, é narrado inteiramente sob a ótica de um cachorro. Bom Menino acompanha a mudança de Todd (Shane Jensen) e de seu leal cão, Indy (Indy), para a casa de campo da família após a morte de um parente. O novo lar, que pertenceu ao avô do rapaz, é cercado por rumores de ser assombrado por um demônio. Mesmo com os alertas da irmã, Todd desconsidera as histórias. No decorrer dos dias, Indy começa a perceber figuras espectrais, barulhos estranhos e forças sobrenaturais nos cantos aparentemente vazios da mansão, bem como começa a ser perseguido, em seus sonhos, por uma figura misteriosa e pelo antigo cachorro do avô de seu dono. Enquanto Todd é tomado pelas energias sombrias que habitam o local, Indy precisará enfrentar essas presenças malignas em uma tentativa desesperada de salvar seu melhor amigo humano.
Em poucas palavras, Bom Menino pode ser visto como um filme de terror de cachorro. Isso não significa somente que o foco narrativo recai sobre o animal, mas que existe um apreço maior também para com os ambientes, bem como uma rejeição quase integral dos humanos — quase não vemos rostos algum durante o filme. Nesse processo, Leonberg utiliza de uma certa natureza canina para construir os elementos de horror. Claro que pode ser questionável porque um espírito humano tentaria assombrar um bicho, mas acaba sendo justamente esse ponto que solidifica a presença do gênero no filme. Um dos pontos mais fortes é a forma como o cachorro quase não tem medo, o que, por consequência, coloca o espectador em momentos que são gatilho para suspense, tensão e pavor. Além disso, o filme trabalha antes pelo receio das ações do conhecido do que pelo medo do desconhecido: sabemos, mesmo sem ciência do dono do cachorro, que existe uma presença sobrenatural na casa. Em outras palavras, a apreensão vem do que você sabe que vai acontecer e não do que pode ocorrer.
Para sustentar essa máxima, Leonberg trabalha mediante um prisma de readaptação do estilo do gênero de horror. Ou seja, a direção transpõe os métodos do gênero usados com humanos, mas, dessa vez, para operar com uma figura canina. Em primeiro lugar, parece-me haver um certo afastamento comunicacional entre o bicho e o seu dono: embora Indy saiba da presença desconhecida na casa, ele não se desespera em avisar — ainda que dá sua forma — Todd sobre isso. No caso, isso é inteligente porque cria um isolamento entre os dois protagonistas. Na sequência, o filme não se preocupa em tentar construir uma narrativa que seja claramente linear — o que faz sentido considerando que os cães, provavelmente, não possuem essa noção temporal. Além disso, as próprias escolhas de planos e enquadramentos da direção são uma clara adaptação. Com isso, Leonberg realiza um trabalho criativo — aplicando, por exemplo, pontos de vistas e filmagens over the shoulder no cachorro — que, ainda que não seja de extrema originalidade, traz um ar charmoso sem perder sustento em um molde mais tradicional.
Nesse sentido, claro que existe inventividade em Bom Menino, mas, para ser sincero, esses momentos são mais pontuais do que uma regra geral. No final, por mais que Leonberg crie uma abordagem visual relativamente “nova” para se debruçar sobre o gênero a partir de outra perspectiva, na substância, tudo se resume às mesmas coisas. Com isso, chega a ser seguro argumentar que o filme não tem algo muito especial, porque grande parte do horror vem da forma clássica do “terror dos humanos”: luzes piscando, sombras, jump scares, sonhos assombrados e coisas fora do campo de vistas dos heróis. O que admiro, pelo menos no começo do filme, é a forma como as figuras sobrenaturais são tratadas como presenças abstratas, relacionadas mais com uma suposta energia do lugar do que um fator mais direto. No mais, a trilha musical do filme, como você pode imaginar, acaba sendo uma típica banda próxima das trilhas dos filmes da A24.
Em certo nível, existe uma falta de essência em Bom Menino, o que me faz pensar nos possíveis simbolismos que cercam e enriquecem o filme. Recorrer a essa abordagem consegue salvar um pouco a obra, visto que ela, como comento em seguida, não é tão entregue ao gênero de horror como faz parecer. Além disso, sinto que os últimos trinta minutos do filme são bem confusos, o que sustenta essa ideia de que existe algo a mais nas entrelinhas. Com isso, vejo os fantasmas e assombrações da casa antes como representantes do câncer hereditário, que também afetou o avô de Todd, do que como uma maldição sobrenatural. Isso não significa que a visualidade seja fraca — pelo contrário, visto que tanto as cenas dos demônios sujos de lama quanto a cena em que Todd vomita sangue em cima de Indy são ótimas —, mas que existe algo mais profundo e que, pelo menos, compensa essa carência do horror.
Bom Menino é um filme bastante lento. Na verdade, ele roda por um pouco mais de uma hora de duração. Pelo ritmo, esse tempo é mais do que suficiente para Leonberg propor sua ideia e desenvolver até um certo ponto que ele achava necessário. No entanto, embora Bom Menino seja um filme de horror, nos momentos finais, fica claro que ele se sustenta mais pelo melodrama do que pelo terror. É verdade que existe uma presença forte das táticas do gênero de horror, mas, quando você olha principalmente para a sequência final, percebe que, talvez, todo medo existente no filme parte de uma tristeza associada com os animais. No final do filme, vemos o esqueleto do cachorro do avô de Todd, que faleceu preso no porão da casa. Esse medo é transportado para Indy no final do filme, mas, muito antes disso, esse era o medo durante todo o tempo: que alguém fizesse alguma maldade com o cachorro. Claro que existe terror em Bom Menino, mas a tristeza é um mal maior.