Casa de Dinamite

Direção —

Gêneros — ,

Ano — 2025

Casa de Dinamite (2025) promete tensão e urgência crescentes, mas se desenrola como um relatório: burocrático, impessoal e cheio de notas de rodapé.

Existe um conceito popular de estrutura narrativa chamado Save the Cat. Desenvolvida por Blake Snyder, a técnica consiste em apresentar, logo no início, um gesto de humanidade que faça o público se importar com o protagonista antes que a história o coloque à prova. Não se trata de uma regra a ser seguida, mas de uma convenção que compreende como a empatia é fundamental para gerar tensão e investimento emocional. Casa de Dinamite, novo filme de Kathryn Bigelow, ignora completamente esse princípio e não oferece nada que preencha essa ausência. A obra até tenta humanizar o presidente dos Estados Unidos ao mostrá-lo dando dicas de basquete a um grupo de adolescentes, mas a cena é conduzida com tanta impessoalidade que o gesto se torna protocolar. Não há esforço que nos convença da humanidade desse homem nem da gravidade da tragédia prestes a ser anunciada, e o mesmo se repete nos demais núcleos do longa: todos têm seu momento coreografado de introspecção, em que alguém olha para o nada e se dá conta da ameaça nuclear iminente. Assim, o que poderia ser um excelente filme sobre a vulnerabilidade humana diante do fim do mundo acaba refém do vazio institucional que adota como linguagem.

Bigelow opta por uma linguagem quase documental, com câmera trêmula, luzes frias e uma insistência obsessiva em nomear cada cidade, cada instalação e cada sala em que o conflito se situa. Há notas de rodapé que explicam cada protocolo e legendas sempre ágeis em desenhar o significado das siglas mencionadas pelos personagens. Dessa forma, a sensação é a de assistir a um relatório em vídeo, não a um filme. A câmera parece determinada a se manter em constante movimento, como se precisasse provar o tempo todo que está captando algo “real”, mas a repetição desses tremores só neutraliza o efeito pretendido, uma vez que o que deveria transmitir urgência e imprevisibilidade passa a soar cada vez mais artificial. A mise-en-scène aqui é tão burocrática que qualquer possibilidade de espontaneidade se dissolve, e o fato do filme se dividir em três blocos narrativos que repetem a mesma história sob diferentes perspectivas também não ajuda muito.

Cada mudança de ponto de vista não traz consigo novas revelações, apenas variações de ponto de vista que não alteram em nada o sentido do que já vimos. Em Rashomon, cada versão distorce a verdade e questiona a moralidade humana; aqui, a repetição serve apenas para indicar quem é especialista em qual área e quais serão os termos técnicos da vez. O filme — acertadamente — não tem um único protagonista, já que o protagonismo pertence à situação em si. Em tese, isso permitiria uma visão coletiva e panorâmica dos indivíduos enquanto o caos é instaurado, mas, na prática, o que se vê é uma sucessão de departamentos que não sabem como reagir diante da notícia aterradora do míssil que cairá em Chicago dentro de 18 minutos, independentemente de terem se preparado ou não para esse cenário aterrador. Quando esses minutos se repetem pela terceira vez, já sabemos exatamente tudo o que vai acontecer, salvo pequenas curiosidades banais na linha de “onde fulano estava quando o míssil foi detectado?”, o que, convenhamos, não é nada interessante de se assistir.

Também é bem perceptível um dilema que o filme nunca resolve: ao priorizar a fidelidade aos protocolos que seriam adotados numa situação de emergência nuclear, a diretora sacrifica a experiência emocional. Tudo se torna tão preso a terminologias e hierarquias que o público acaba excluído da tensão. É comum que obras com muitos termos técnicos introduzam um personagem outsider para aprender junto do espectador e, sob esse pretexto, justificar diálogos didáticos. Casa de Dinamite, no entanto, não pode recorrer a esse artifício, já que todos os envolvidos são treinados em segurança nuclear. Por isso, surge um impasse: ou os personagens se explicam mutuamente, sem se importar com a verossimilhança disso (alô, Interestelar), ou o filme se torna dependente de legendas constantes que comprometam a fluidez narrativa. Bigelow, é claro, opta pela segunda opção, e seu longa se torna um manual de instruções que, vez ou outra, tenta se disfarçar de melodrama.

Ainda que sua frieza seja intencional, num comentário sobre o despreparo do Estado diante de um mundo armado até os dentes, Casa de Dinamite nunca consegue ser mais que um relatório audiovisual, meticulosamente redigido e emocionalmente vazio. Em sua busca por autenticidade documental, tudo é calculado para parecer urgente, mas falta desordem, falta alma. A tensão nunca explode porque a obra está ocupada demais em sua própria precisão técnica. Ao transformar o apocalipse estadunidense num amontoado de siglas e procedimentos, Bigelow se distancia da força que um dia definiu seu cinema, e é por isso que, ao fim da contagem regressiva, não é possível sentir medo, alívio ou catarse, apenas a indiferença burocrática que espelha as escolhas da própria obra.

Casa de Dinamite

Título Original: A House of Dynamite

Diretor:

Lançamento: 2025

Duração: 112 mins.

Gênero(s): ,

Classificação: 14

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