Don't Trip

Direção —

Gêneros — ,

Ano — 2025

Divertido e cheio de referências à cultura da virada do milênio, Don’t Trip (2025) tropeça na falta de ousadia e no excesso de elementos narrativos, o que acaba tornando a história, em certos momentos, confusa.

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“Eu só quero que isso seja feito… É tudo o que eu quero”. Essa é uma das falas de Dev Ryan (Matthew Sato) em uma das primeiras cenas de Don’t Trip (2025). Em certo sentido, essa é a máxima que movimentou grande parte das produções cinematográficas que não desfrutam das regalias do circuito comercial e tradicional. Durante o filme, refletindo sobre essa frase e sobre a produção da obra, percebia como havia uma sinergia entre Don’t Trip e algumas produções da Boca do Lixo. Posso estar sendo um pouco parcial ao pensar nisso, mas acredito que essa frase de Dev poderia muito bem ser dita por José Mojica Marins, que lutava para ter seus filmes feitos no circuito do cinema marginal. Não me entenda mal, Don’t Trip não é tão sujo ou inventivo quanto os filmes do Zé do Caixão, mas traz os mesmos traços de desejo e persistência pelo fazer cinematográfico.

No filme — dirigido, escrito e produzido por Alex Kugelman —, seguimos Dev, um jovem roteirista que luta para ter seu primeiro filme feito. Depois de enviar um roteiro para um produtor, sem a autorização de sua chefe, Jane (Pell James), o rapaz é demitido. Desesperado para pagar as contas do mês, o jovem elabora um plano: fazer amizade com o problemático filho de um poderoso produtor, Trip (Will Sennett). Seu objetivo final é convencer Trip a mostrar o roteiro para seu pai, Scott (Fred Melamed). Embora as aventuras dos dois rapazes se tornem cada vez mais estranhas e a namorada de Dev, Monica (Olivia Rouyre), demonstre desconforto com a nova amizade do companheiro, Dev segue se relacionando com Trip, acreditando que irá conseguir consolidar seu plano e carreira. Entretanto, quando Trip descobre as verdadeiras intenções de Dev, as coisas tomam outro rumo. 

Em primeiro lugar, gostaria de recuperar a Boca do Lixo. No caso, tanto Don’t Trip quanto os filmes do cinema marginal, como comentei, compartilham essa vontade de produzir cinema. Claro que existem suas diferenças: ao passo que os filmes da Boca eram produções “cafajestes” e experimentais que trabalhavam com uma linguagem despojada e atitudes autorais, o filme de Kugelman se debruça mais sobre a estética com base em gêneros: terror e comédia — pelo menos, em tese. Com isso em mente, meu maior problema com o filme é o fato de ele não ser mais ousado: sendo uma produção alternativa e independente, em que não há amarras dos grandes circuitos, havia muita margem para inventividade. Nesse sentido, embora Don’t Trip — tanto na história quanto no nível fílmico — compartilhe essa aspiração com a Boca do Lixo, falta à obra de Kugelman um reconhecimento da possibilidade de ousadia. Por consequência, o longa é fortemente sustentado por arquétipos: enquanto alguns funcionam, outros já soam datados — afinal, drogas não são mais tão audaciosas em 2025. É verdade que se pode dizer que os filmes de horror de Mojica, nos anos sessenta, também eram genéricos e, talvez, patéticos. De fato, eram, mas havia algo na forma e no contexto dos filmes que deixava tudo mais especial e profundo. 

No entanto, se não existe tanta ousadia estilística e temática, Don’t Trip é destemido em tentar complexificar sua narrativa ao máximo. Em outras palavras, pense naquele filme que, mesmo com uma ideia sólida, ainda acaba tentando abraçar meio-mundo. Por um lado, isso demonstra bastante repertório, que vai desde Crepúsculo dos Deuses (1950) até as produções mais amadoras dos anos 2000. Por outro lado, isso torna o filme, por vezes, confuso. Por exemplo, em menos de uma hora, senti que havia quatro filmes em um só. Em um primeiro momento, Kugelman parecia direcionar para uma obra sobre dinâmicas de poder. Na sequência, um romance gay sobre descoberta parece uma resposta mais lógica — principalmente naquela cena em que Dev engasga numa espécie de churros. Em um terceiro instante, vemos uma produção sobre o desenvolvimento de uma amizade verdadeira. Por último, um pseudo-thriller. Claro que você pode argumentar comigo que isso é mais uma progressão do que uma confusão — e até certo ponto, concordo. Porém, há algo na forma como essas sequências são amarradas que faz o filme parecer mais episódico do que deveria. Além disso, embora a comédia seja engraçada, o terror é fraco e não convence inteiramente. 

Penso que o motivo desses problemas não é o elenco e a equipe — visto que ambos parecem sólidos e bem-intencionados —, mas sim um certo desconforto com o próprio filme. Talvez eu não saiba bem verbalizar o que quero dizer, mas sinto que tanto a direção quanto os atores — principalmente Matthew Sato — estão engessados no começo do filme. Não acredito que isso aconteça por uma falta de habilidade, mas, sim, como se estivessem, não sei, com vergonha. Penso que essa perspectiva se sustenta porque, conforme o filme avança, parece-me que tudo fica mais “à vontade” e todas as esferas fluem e conversam melhor. Isso fica claro na própria canalização dos personagens: enquanto, na primeira metade, eles parecem se forçar para tentar convencer, em um segundo momento, esse convencimento é mais automático. Talvez Sato e Sennett tenham finalmente conhecido melhor seus papéis. O que ajuda nesse processo é uma transposição dos traços dos personagens do nível puramente verbal para um diálogo com as ações — algo que tanto atores quanto a direção fazem. 

Entre referências bem utilizadas da virada do milênio e uma vontade de encarnar os thrillers metalinguísticos, como Cidade dos Sonhos (2001), Don’t Trip é um filme divertido. Claro que, talvez, eu desejasse que as fronteiras entre uma abordagem pós-irônica e uma tentativa genuína de humor não fossem tão confusas. Não me entenda mal, o filme é inteligente. Gosto bastante, por exemplo, do trocadilho do título: não tropece, não viaje, nem caia na cilada do Trip. No entanto, não posso mentir e dizer que o filme não peca pela falta de ousadia. No final do longa, depois de Dev ser sequestrado e obrigado a colocar o nome de Trip em seu roteiro, ele e sua namorada conseguem um vídeo das ameaças do rapaz. O pai de Trip tenta convencer Dev a apagar o vídeo, em troca de conseguir um contrato para o jovem. Não existe, propriamente, um desfecho, ao passo que Dev somente olha para a câmera com um sorriso amarelo. Talvez, Don’t Trip acertou nisso: o que interessa nem sempre é o destino, mas o caminho até lá.

Don't Trip

Título Original: Don't Trip

Diretor:

Lançamento: 2025

Duração: 94 mins.

Gênero(s): ,

Classificação: Não Divulgada

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