Juntos

Direção —

Gêneros —

Ano — 2025

Juntos (2025) transforma o body horror em uma metáfora: o desencontro romântico é tão doloroso quanto a violência grotesca do corpo. Mais do que os efeitos viscerais, é o retrato das frustrações humanas em um filme exitoso.

Embora Terror Que Mata (1955) seja considerado o marco inicial dos filmes de body horror, foi somente com David Cronenberg que o subgênero deslanchou. Porém, na maioria de seus filmes, as ideias do diretor sobre o grotesco humano partiam de uma metamorfose que remetia ao livro de Franz Kafka: a fusão do homem com outros seres ou objetos. Enquanto A Mosca (1986) viu uma mistura com insetos, Crash: Estranhos Prazeres (1996) trabalhou a atração sexual com veículos e acidentes. Quanto à união de vários indivíduos, esse foi um tema não lembrado pelo diretor. O máximo que ele chegou foi Gêmeos: Mórbida Semelhança (1988), mas que não é propriamente um body horror. Juntos (2025), por sua vez, surge para sanar essa lacuna. O filme mistura o subgênero com um drama de relacionamento no qual o grotesco das fusões corporais também é uma dolorosa metáfora sobre amor. 

O filme, assinado por Michael Shanks, acompanha Millie Wilson (Alison Brie), uma jovem professora, e seu namorado, Tim (Dave Franco), um músico amador em busca de afirmação na carreira após uma perda familiar. Os dois decidem recomeçar a vida juntos em uma pequena cidade do interior, mas a mudança logo revela fissuras na relação. No entanto, quando eles decidem explorar uma caverna escondida na floresta, o casal entra em contato com um lago subterrâneo que desencadeia sintomas estranhos: eles não conseguem ficar longe um do outro, bem como começam a grudar um no outro. Enquanto tentam entender se enfrentam somente traumas pessoais ou algo além da compreensão humana, Millie e Tim percebem que sua ligação pode ultrapassar os limites do corpo e da identidade, forçando-os a encarar até onde estão dispostos a ir para permanecer juntos.

Partindo da ideia de um body horror de fusão de duas pessoas, o desenvolvimento dos personagens torna-se uma parte importante. Shanks também foi o roteirista e pode-se dizer que seu trabalho, pelo menos nesse quesito, é bastante sólido. Tim é um “típico cara branco” — como uma amiga de Millie gosta de chamá-lo — que ainda acredita que pode viver de música aos 35 anos. Embora nunca seja comentado, fica claro que ele enfrenta problemas de saúde mental, tanto pelo choque de encontrar seus pais mortos quanto por se sentir inferior dentro de sua relação com Millie. Quanto à moça, ela é relativamente compreensiva com o namorado: ela não se importa tanto com o fato de que há meses eles não transam, bem como apoia os sonhos do rapaz. Claro que isso não é de graça: sempre que pode, ela joga isso na cara dele — em busca de um “obrigado”, talvez.

Mas, antes de ser um filme de body horror, Juntos é um filme de terapia de casal. Em partes, pode-se dizer que sua união física é um símbolo de seu desencontro de personalidade: os opostos são condenados a se tornarem um só. Claro que há um pouco de amor ali, mas eles são a prova de que isso não é suficiente. Desde o começo do filme, eles se mostram bastante disfuncionais: na festa de despedida da cidade grande, Millie faz um pedido descontraído de casamento a Tim, que demora para responder, gerando uma situação chata. No entanto, o êxito do filme é construir uma dualidade em que não há vilões. Tim é um cara bem bacana, a ponto de você não ver sua infantilidade como algo negativo. Millie, por outro lado, suporta muitas coisas em prol do relacionamento, então você releva algumas de suas babaquices. No final, eles são um casal jovem e inexperiente que não tem conversas importantes.

Juntos, no entanto, acaba sendo um sucesso também no aspecto visual. Em poucas palavras, esse é um filme doloroso: embora você não veja propriamente imagens muito grotescas e sanguinárias em grande parte do longa, você ainda consegue sentir as dores de Tim e Millie. Depois de cair na caverna durante a trilha e beber do lago misterioso, os dois começam a se colar. Primeiro grudam suas pernas, depois suas bocas e, por fim, suas partes íntimas durante o sexo — pode-se dizer que se Tim não era circuncidado, agora está. No meio-tempo, o filme tem algumas jogadas mais gráficas. Em uma cena, o rapaz massageia as costas da namorada e sua pele parece uma massa de modelar. Além disso, os instantes que ilustram os pesadelos de Tim são assustadores, não só pelo conteúdo, mas pelo filme os trabalhar de uma forma bastante solta dentro do filme.

Claro que Juntos não é perfeito: além de achar o filme curto, as últimas sequências beiram um teor cômico que quebra um pouco com a experiência. Próximo do final, ficamos sabendo que o lago da caverna conta com uma água religiosa de uma seita que acredita na união de duas pessoas. O vizinho e colega de trabalho de Millie, Jamie (Damon Herriman),  é um dos recrutadores, por assim dizer. Crentes que não há saída, primeiro o casal tenta se matar, mas depois se rende ao seu destino: virar uma pessoa só. E é aí que as coisas ficam um pouco tortas: a cena de fusão tem certa sensualidade, mas o final é insosso. Por fim, os dois se tornam uma nova pessoa — andrógina, uma mescla de ambos. Porém, essa sequência final é estragada por uma linha de humor agridoce. Juntos é um filme de body horror eficaz e sutil, mas poderia ser melhor se tivesse apostado ainda mais no gênero. 

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

Juntos

Título Original: Together

Diretor:

Lançamento: 2025

Duração: 101 mins.

Gênero(s):

Classificação: 18

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