Pedro Almodóvar sempre teve um fascínio pela morte e, embora as discussões propostas pelo diretor espanhol sejam derivadas de perspectivas filosóficas e religiosas complexas, sua abordagem do assunto sempre foi simplista e direta. Em outras palavras, Almodóvar sempre partiu de um ponto existencialista, mas sua metodologia, sem exceção, recai para uma humanização crua dos sentimentos da partida — não importa o quão amargos eles sejam. Em O Quarto ao Lado (2024), seu último longa-metragem, Almodóvar dá seguimento a essa proposta: essa é uma obra diarística sobre aceitação da morte. Embora essa crônica seja existencialista, sua canalização é simples e funcional.
Em O Quarto ao Lado, Ingrid (Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton) são duas jornalistas que foram muito amigas na juventude, quando trabalharam juntas na mesma revista, mas que passaram longos anos sem manter contato. Ingrid se tornou escritora, enquanto Martha virou correspondente de guerra, o que acabou causando um afastamento natural entre as duas. Certo dia, Ingrid descobre, por uma amiga em comum, que Martha está com um câncer terminal e decide se reaproximar dela. Passando os dias juntas, as duas se atualizam sobre suas vidas, até que um pedido de Martha surpreende: ela pretende tirar a própria vida e deseja que Ingrid seja sua companheira nos últimos momentos.
Almodóvar é um dos poucos que continua envolvido na produção de seus projetos do início ao fim. Por isso, seus filmes funcionam muito bem, tanto em coerência quanto em ritmo e tangência. Como esperado, O Quarto ao Lado incorpora bem uma naturalidade que convence: Ingrid e Martha, realmente, parecem amigas de longa data. Um dos pontos que mais sustenta esse sentimento acaba sendo, justamente, o desvio do roteiro para longe do enredo principal. Em um flashback, por exemplo, estamos ouvindo um amigo incomum das duas moças falar sobre seu romance com outro homem e como eles só conseguiam se encontrar em ambientes de guerra. Embora distante do núcleo do filme, esse tipo de deriva sustenta uma naturalização que fundamenta uma narrativa que preza pela simplicidade sem, necessariamente, abrir mão de uma boa concatenação de ideias.
Também, pode-se pensar como Almodóvar entrega um filme que consegue ser culturalmente carregado e socialmente diverso. No passado, o diretor tratou de temas que renunciavam ao conservadorismo norte-americano e clássico de maneira clara — como Tudo sobre Minha Mãe (1999). Em O Quarto ao Lado, tudo é incorporado de forma sutil, como a sexualidade. Em conjunto, tanto as personagens quanto suas discussões são poéticas, o que acaba contrastando bem com dois pontos: em primeiro, com o teor de crônica, em segundo, com um certo caráter episódico da organização narrativa. Como consequência, O Quarto ao Lado funciona muito bem, sendo um enredo que consegue trazer direcionamentos densos, mas os trabalhando de uma forma simples. Em outras palavras, sinto como se esse fosse um filme muito inteligente, mas que não gosta de se gabar e se exibir por causa disso.
Dito isso, o ponto principal de O Quarto ao Lado acaba sendo, justamente, o processo da morte de Martha. No caso, depois de diversos tratamentos agressivos que não oferecem grandes esperanças, Martha compra, ilegalmente, uma pílula de eutanásia. Ela pede para Ingrid acompanhá-la em uma casa na floresta, onde ela pretende passar alguns dias antes de tomar o medicamento e tirar a própria vida. O processo, por si só, já é angustiante o suficiente, mas acaba sendo ainda mais intenso quando Martha se torna mais incisiva e poética em seus comentários sobre partir. Essas análises são existencialistas, mas carregam um sentimento de pena: “Eu acho que mereço uma boa morte”, Martha diz, em um ato de compaixão no meio de uma autocrucificação. No meio-tempo, há um certo humor, que alivia o peso do filme sem a intenção de realmente fazer rir.
Embora sua temática pesada, O Quarto ao Lado ainda é um filme visualmente bonito. No caso, talvez, na mão de outros diretores, seria de se esperar que sua fotografia jogasse com a saturação das cores ou que tudo fosse mais amargo desde o começo. Todavia, Almodóvar apresenta cores vividas e vibrantes durante todo o filme, assegurando não apenas sua assinatura, mas também simbolizando uma certa beleza em meio à morte. Não penso que O Quarto ao Lado romantize o suicídio, mas, sim, busca dar margem para o entendimento de que uma pessoa deve poder escolher, em determinada situação, o que é melhor para ela — mesmo que isso signifique se suicidar. Nisso, as cores brilhantes de Almodóvar surgem para representar um livramento para a decisão de Martha: apesar de ela ter decidido morrer, está tudo bem. Enquanto ela está aqui, as cores são mais bonitas.
Ousaria dizer que a única fragilidade de O Quarto ao Lado é a morte de Martha, um instante que acaba passando batido, sem impacto. No entanto, existe uma dualidade aí: a morte física de Martha não significa muito, porque, em certo nível, ela já havia falecido bem antes. Nisso, o filme é sobre um luto pré-morte de Martha e sua despedida do mundo físico não é importante: ela já havia desistido há um tempo, você já estava se acostumando com essa ideia e, dali para frente, tudo que restaria é uma ideia cristalizada do que um dia ela foi. E ninguém jamais conseguirá mudar isso.
(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)