O Reformatório Nickel

Direção —

Gêneros —

Ano — 2024

O primeiro trabalho de ficção de RaMell Ross é um esforço ousado e detalhista que não perde proximidade emocional ao passo que investe em uma forma incomum de narrar uma história de sofrimento. 

Os primeiros minutos de O Reformatório Nickel (2024) são construídos por imagens alegres de infância capturadas em primeira pessoa. Diferente do trabalho anterior de RaMell Ross, No Interior do Alabama: A Vida em Hale County (2018), um documentário que registrou como as imagens idealistas da comunidade afro-americana estão integradas na imaginação visual da América, Reformatório Nickel parece um pouco mais positivo, em princípio. Por mais que ambas as produções contem com a esperança do triunfo em meio ao amargo social, Reformatório Nickel faz parecer que a felicidade é algo mais próximo da materialidade. No entanto, no meio de sonhos capturados em tons lavados, Reformatório Nickel demonstra de perto uma realidade dura: alegria e esperança, para alguns, são apenas sonhos distantes e efêmeros. 

O Reformatório Nickel é o primeiro trabalho de ficção de Ross. Embora seja uma história criada — baseada em um romance de mesmo nome —, esse enredo é inspirado no Dozier School for Boys, um reformatório da Flórida, notório por seu tratamento abusivo aos alunos. No filme, seguimos Elwood (Ethan Herisse) e Turner (Brandon Wilson), dois adolescentes afro-americanos enviados para um brutal reformatório juvenil durante a implementação das leis segregacionistas. Em meio ao trabalho forçado e ao abuso de autoridade da direção da instituição, os dois forjam sua amizade como um refúgio de carinho em meio às violências sofridas. Apesar de suas diferenças — Elwood tem uma perspectiva otimista do mundo, ao passo que Turner conhece a bárbara realidade —, eles encontram um no outro não só formas de resistir, mas também de serem autênticos. 

O estilo é o elemento mais chamativo de Reformatório Nickel. Se esse coming of age fosse assinado por qualquer outro diretor, provavelmente ele seguiria uma abordagem mais tradicional. No entanto, Ross usa a câmera em primeira pessoa durante quase todo o filme. Esse caminho é mais do que funcional: além de raro, ele promove tanto um sentimento de empatia quanto claustrofobia. No caso do primeiro, Ross te coloca dentro do corpo dos personagens, fazendo com que as experiências deles sejam vivenciadas. No segundo, essa configuração é arquitetada para criar uma sensação de sufocamento — como na cena em que Elwood está sendo levado para o reformatório e as grades do carro de polícia parecem te asfixiar. Em equilíbrio, quando El ainda é criança, os trechos do seu ponto de vista têm uma inocência potencializada — como quando ele vê sua avó trabalhar como garçonete.

No entanto, esses sentimentos só funcionam porque Ross atenta-se aos detalhes. O Reformatório Nickel, na verdade, não é um filme apenas com câmera em perspectiva, ele conta também com alguns poucos recortes objetivos. Em ambos os casos, entretanto, os detalhes são essenciais. Enquanto estamos nos olhos de Elwood, por exemplo, vemos seu reflexo parcial no ferro de passar roupa de sua avó ou na janela do ônibus. Isso não é algo novo, o que o torna especial é justamente ver esses detalhes como algo mínimo, usado apenas para sustentar algo maior — como a câmera em plongée enquanto Elwood caminha, visto que ele sempre anda de cabeça baixa, perdendo o que acontece à sua volta. Melhor ainda, porém, é que tudo é filmado com sutileza e leveza: Ross consegue reproduzir bem os movimentos da cabeça, mas sem perder a elegância cinematográfica. 

Todavia, o maior êxito do estilo de Reformatório Nickel é sua ligação metafórica entre perspectiva e personalidade. No caso, nunca vemos o personagem que somos, apenas por reflexos ou relances. Isso concretiza uma noção de imagem sustentada pelo desenvolvimento do autoconhecimento: o filme nega mostrar o protagonista da cena porque nem ele mesmo tem clareza sobre sua autoimagem, consequência da falta de autoconhecimento. No começo do filme, por exemplo, Elwood, ainda criança, olha para seu braço, atentando à cor de sua pele e dando início ao processo de entender seu lugar no mundo. Mais tarde, quando Ross começa a alternar o ponto de vista entre El e seu amigo, Turner, percebemos, por exemplo, que as falas de El parecem mais espaçadas quando vistas da perspectiva de Turner, indicando que Wood é bem menos protagonista do que ele naturalmente pensa. No final, vemos Turner adulto, mas agora com uma câmera filmando-o por trás da cabeça. Essa mudança acontece quando ele e El tentam fugir e Wood é morto. Nesse sentido, em metáfora, o choque faz com que Turner deixe de ser ele, mas passe a ser Elwood também.

Todavia, Reformatório Nickel ainda peca ao não saber dosar bem o ritmo próximo do final. Conforme o longa progride, Ross alinha seu corte cada vez mais com uma montagem tradicional, mas, em meio à tensão crescente, ainda há momentos que se tornam enfadonhos. Além disso, mudanças bruscas de perspectiva podem parecer desorientadoras — embora a intenção seja criar uma massificação de El e Turner, dialogando com o abandono do ponto de vista. Apesar disso, visualmente falando, o filme é também bastante bonito: embora seu estilo proponha algo mais realista, Ross ainda entrega planos que remetem bastante às cores de Moonlight: Sob a Luz do Luar (2017). 

O Reformatório Nickel não é o primeiro filme inteiramente registrado pela câmera em primeira pessoa. Esse título seria para A Dama do Lago (1947), que recebeu críticas negativas devido à sua desorientação e ao distanciamento emocional. Por mais que o Reformatório sofra um pouco com algumas dessas questões, ele é uma obra muito mais sólida e bem executada. No final do filme, Turner adota o nome de Elwood ao iniciar sua nova jornada e dedica-se a acompanhar as investigações das crueldades da instituição. Por mais que o tempo passe e sua vida siga em frente, às vezes é impossível deixar o passado para trás — e o passado acaba se tornando seu único amigo. 

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

O Reformatório Nickel

Título Original: Nickel Boys

Diretor:

Lançamento: 2024

Duração: 140 mins.

Gênero(s):

Classificação: 16

MAIS CRÍTICAS

2025

Frankenstein (2025) equilibra o melodrama e a tragédia, explorando os excessos e os traumas que definem seus personagens.

2025

Casa de Dinamite (2025) promete tensão e urgência crescentes, mas se desenrola como um relatório: burocrático, impessoal e cheio de notas de rodapé.

1988

Giuseppe Tornatore registra o fim de uma era em que ir ao cinema era uma experiência coletiva, capaz de conectar gerações e moldar o olhar de cada espectador.

2025

O filme biográfico de Ney Matogrosso pode não ser tão ousado quanto o cantor, mas ainda assim consegue ser uma obra bonita, charmosa, responsável e elegante.