Na década de 1970, o slasher se consolidou como um dos subgêneros de terror mais fortes, especialmente com o lançamento de O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Halloween: A Noite do Terror (1978). Na década seguinte, suas convenções foram estabelecidas: um grupo de jovens como possíveis vítimas; mulheres sexualmente atraentes em perigo, perseguidas por um assassino psicótico, quase indestrutível e armado com uma faca. Não demorou muito para que as sequências e imitações baratas surgissem, gerando uma onda de produções que surfavam em uma fórmula repetida. Embora o público dos filmes fosse atraído pela previsibilidade das tramas, em meados dos anos 1980, o slasher parecia ter atingido um ponto de exaustão. No entanto, próximo da virada do milênio, Pânico (1996) trouxe uma das mais importantes revitalizadas do cinema de horror e que, quase trinta anos depois, ainda mantém seu caráter emblemático.
No filme, planejado como a primeira parte de uma trilogia, acompanhamos Sidney Prescott (Neve Campbell), uma jovem que tenta superar o trágico evento do estupro e assassinato de sua mãe. Um ano depois do ocorrido, ela e seus amigos da pacata cidade de Woodsboro, na Califórnia, tornam-se alvos de um serial killer. Obcecado por filmes de horror, o assassino realiza telefonemas para suas vítimas antes de matá-las, fazendo diversas perguntas sobre filmes, incluindo a clássica: “Qual seu filme de terror favorito?”. Conforme o número de mortos aumenta, Sidney percebe que todos ao seu redor são assassinados como uma forma de o vilão chegar até ela. Em paralelo, os crimes atraem a ambiciosa jornalista de televisão Gale Weathers (Courteney Cox), que chega à cidade determinada a resolver os crimes e a ganhar fama pela cobertura exclusiva em cima dos eventos, da mesma forma que fez um ano antes, com o caso da mãe de Sidney.
O maior triunfo de Pânico é sua metalinguagem. Para além de ser um slasher arquetípico, o filme referencia outras obras em duas instâncias. Na primeira, há menções diretas sobre outras franquias, como nos momentos em que o assassino, Ghostface, telefona para as suas vítimas e faz um jogo de perguntas e respostas tematizado nos clássicos do gênero. Na segunda instância, Pânico segue a estrutura do slasher, que, a partir da sua própria adoção, ironiza o modelo. Olhe para Randy (Jamie Kennedy), por exemplo, um apaixonado por cinema. Além de comentar as artimanhas que podem ser usadas para sobreviver a um filme de terror, ele propõe, em duas cenas icônicas, uma conexão maior com clássicos. Primeiro, ele narra as regras de sobrevivência, enquanto o diretor intercala com cenas dos personagens fazendo o oposto. Na segunda, ele comenta as “burrices” da personagem de Jamie Lee Curtis, em Halloween, mas acaba cometendo os mesmos erros, levando-o à morte. Como consequência de sua popularidade, Pânico foi divisivo em um sentido: existe o gênero de terror antes e depois desse filme.
Fundamentado nisso, Pânico também é um filme muito inteligente. Digo isso para além de sua metalinguagem, mas, sim, como ele faz um uso sólido da tecnologia. Revendo o filme para escrever esse texto, me peguei pensando em como o telefone é uma aposta certeira: ele é um meio-termo entre o familiar e o desconhecido. No caso das novas partes da franquia, lançadas recentemente, nas quais os celulares tomaram o lugar do telefone, você não tem o mesmo equilíbrio proposto pelo telefone. No caso, o aparelho antigo, embora gerasse uma aproximação entre a vítima e o assassino, havia ainda diversas camadas que tornavam a comunicação entre ambas as partes mais enigmática e, por conseguinte, mais assustadora e apreensiva. Em outras palavras, há uma sensação maior de desconhecido e distorção de realidade quando a chamada é feita pelo telefone. Também, acaba sendo interessante como ele usa os aparelhos como criadores de atrito para ir contra uma narrativa fácil demais: há uma cena em que Sidney é atacada pelo Ghostface e ao invés de correr para rua, como seria previsto, ela usa um computador para chamar a polícia. Nisso, em ambas as esferas, os dispositivos funcionam em prol da incrementação da narrativa.
Como resultado, Pânico é uma das obras mais emblemáticas da cultura pop. O alegórico rosto de Ghostface — assim como as clássicas máscaras de Michael Myers e Jason — tornou-se um marco do gênero fora da bolha — o que seria tido como alusão até nas sequências. Parte dessa popularização da figura parte da facilidade de replicação da fantasia na realidade — tirando a máscara que lembra a pintura de O Grito (1983), o restante é um simples pano preto. Em colaboração, sua ambientação de uma juventude estereotipadamente rebelde e burra é concreta suficiente para haver uma identificação dúbia do público — não tanto pelo espectador ser igual aos jovens do filme, mas, sim, porque ele seria capaz de escapar ileso da situação. Porém, o que sustenta o argumento de Pânico ser emblemático é o fato de não ser tão violento quanto todo mundo se lembra ou pensa. Claro que há uma dúzia de pescoços cortados e um banho de sangue no final, mas os instantes sanguinários mais potentes são casualmente censurados por truques de filmagem. No entanto, uma lembrança falsa de extrema violência apenas comprova sua importância.
Para além de forma, as reformulações do enredo também são bem-vindas. O longa, na essência, segue os arquétipos do slasher: uma final girl com um passado triste e que se relaciona com um rapaz não tão confiável, enquanto seus amigos, na maioria, são sonsos e babacas. Todavia, há um incremento maior: as reviravoltas do final revelam que Stu (Matthew Lillard) e Billy (Skeet Ulrich) foram responsáveis pela morte da mãe de Sidney, visto que essa teve um caso com o pai de Billy, Cotton, causando uma separação dos pais do rapaz. Por consequência, Cotton foi acusado pelo assassinato da mulher. No caminho até lá, toda questão do casal principal disfuncional e a briga interna entre egos trazem um charme e profundidade além das saídas fáceis tão costumeiras no slasher. Mais interessante, no entanto, acaba sendo a personagem de Gale Weathers, que é uma representação simbólica da mídia: ela acredita que Cotton foi acusado falsamente, o que causa um atrito entre a jornalista e Sidney. Embora esteja certa, sua ganância e maneira que lida com a cobertura em cima apenas dialoga com um imaginário oportunista da mídia norte-americana.
Por mais que sua nota seja dez, Pânico não é propriamente perfeito. Não comento isso devido aos elementos e as passagens que envelheceram mal — ainda que haja uma entrelinha de crítica neles —, mas, sim, como um filme tão inventivo e contra a maré ainda recaiu em elementos negativos típicos do terror e que foram e ainda são seu ponto fraco. Por exemplo, se por um lado temos um desenvolvimento sólido dos personagens, a sensação de o filme ainda facilitar tudo para Ghostface é forte. No mais, grande parte do lado cômico — não digo referente às lutas —, acaba não tendo um pingo de graça hoje. Claro que essas e outras são marcações de outra geração, mas, de uma obra que conseguiu quebrar tantos padrões e se manter relevante por três décadas, talvez você esperasse um pouco mais.
(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)