Presença

Direção —

Gêneros —

Ano — 2024

Presença se afirma como um terror sutil, sólido, inventivo e elegante — um daqueles filmes que parecem mais simples do que realmente são.

Um dos elementos essenciais para que os filmes funcionem de forma mais eficaz, ao menos sob uma concepção mais clássica, é a transformação do espectador em um fantasma. A ideia é simples: sabemos de tudo e não somos condicionados pelo tempo do mundo ficcional. Como resultado, não percebemos o filme como algo necessariamente real, mas criamos um laço com ele ao passo que estamos em um estado de regressão — ou, neste caso, como fantasmas. Quando pensamos nesse lado mais teórico, a grande parte dos filmes recorre a essa tática narrativa que tem sido funcional há mais de um século. Entretanto, obras como Presença (2024), de Steven Soderbergh, dão um passo além e são casualmente ousadas: ressignificando a ideia do espectador fantasma, o filme rompe com a invisibilidade do aparato, sem comprometer seu êxito, e ainda ganha dimensão narrativa. 

No filme, uma presença invisível perambula silenciosamente por uma casa suburbana recém-reformada, observando a chegada da família Payne. Enquanto tentam reconstruir suas vidas depois da morte de duas amigas da filha do casal, Chloe (Callina Liang), segredos e feridas emocionais mal cicatrizadas fazem a tensão crescer entre os membros da família. Ao passo que Chloe é mais próxima de seu pai, Chris (Chris Sullivan), ela tem que lidar com o ego inflado de seu irmão, Tyler (Eddy Maday), que mantém uma relação mais próxima com a mãe, Rebekah (Lucy Liu). Conforme os dias passam na casa nova, Chloe começa a perceber sinais da entidade, despertando questões sobre o que realmente está assombrando aquela casa. Seria aquele apenas um fantasma qualquer, o espírito de sua falecida amiga Nadia ou uma manifestação dos próprios demônios da família? 

O grande elemento chamativo de Presença é a forma como ele foi filmado. Diferente da maneira convencional — uma decupagem composta por enquadramentos típicos e jogos de câmera —, o filme aposta em uma abordagem mais inventiva: a obra é toda capturada em planos sequência em câmera na mão, com lente grande angular e posicionada na altura da cabeça de uma pessoa. O intuito por trás é justamente criar a perspectiva do ponto de vista de um indivíduo que vagueia pela casa. Embora isso não seja propriamente novo — vide A Dama do Lago (1946) —, ainda é bastante criativo e animador. Nisso, há também outra vitória: por mais que esse não seja um cinema convencional, digamos assim, ele ainda consegue ser bem cativante: a maior parte do filme é composta por cenas que não parecem ter muito propósito narrativo, mas que sustentam a curiosidade pelas fofocas da família. 

Nesse processo de quebra da invisibilidade do cinema, outro fato que acontece é uma certa despersonalização estratégica da figura do fantasma. No cinema de terror tradicional, a figura do monstro é sempre clara e óbvia: cedo ou tarde, ele sempre aparece, geralmente acompanhado de violência gráfica. Em Presença, no entanto, nunca vemos esse espírito, tampouco provocações de susto ou de agressão intensa. Nesse sentido, Presença preza pela construção de um horror sutil, psicológico e até existencialista. Além disso, a subversão do ponto de vista me lembrou um pouco um grande filme de terror, Os Outros (2001), em que acompanhamos os fantasmas sem sabermos que eles estão mortos. No caso de Presença, sabemos que estamos na pele de um espírito, mas participamos da mesma lógica de protagonismo sobrenatural — embora seja claro o eixo principal de Chloe. 

Todavia, tudo isso só funciona porque o fluxo narrativo é forte e sólido. Em um primeiro momento, nem todos os pontos ficam claros, mas as histórias se desenrolam com facilidade — e essa intromissão na vida particular da família é o que interessa. Os Payne são uma família bastante disfuncional: Chris parece mais preocupado com Chloe, ao passo que reprova as atitudes do filho Tyler. Por sua vez, o garoto sofre com um clássico narcisismo causado por sua popularidade na escola e pelas atitudes de sua mãe, que não hesita em deixar claro que ele é o filho preferido. É verdade que Rebekah joga coisas demais nas costas de Tyler, mas ele tem culpa quando pensamos no quão babaca ele consegue ser com Chloe. Enquanto tudo isso acontece, você tem dúvidas se Chris ainda ama Rebekah, principalmente quando vê os comentários dele acusando ela de negligenciar constantemente a filha.

No entanto, o grande êxito de Presença é sua capacidade de complexificar a história. Conforme os dias passam na residência dos Payne, Chloe começa a se envolver com Ryan (West Mulholland), um novo amigo de Tyler. Depois de transar, Ryan tenta dopar a garota, mas, felizmente, o fantasma derruba o copo antes dela beber. Somente na sequência final, as intenções dele ficam claras: enquanto os pais dos irmãos estão fora, Ryan é convidado por Chloe para dormir com ela, mas o irmão dela se torna um obstáculo. Ryan dopa Tyler, e em seguida faz o mesmo com Chloe. Enquanto ela está inconsciente, Ryan coloca um plástico filme na boca e no nariz da jovem, impedindo que ela respire, e revela que ele foi responsável pela morte das duas amigas de Chloe — ele as matou de modo a simular uma overdose. No final, o suposto menino indefeso é só um psicopata e você realmente não esperava por isso.

Presença é um daqueles filmes que parecem mais simples do que realmente são — nesse sentido, ele compartilha diversas características com Sombras da Vida (2017). Entre histórias de abuso e conflito familiar, penso que a centralidade está no processo de lidar com o luto e encontrar conforto no inevitável. No final do filme, o fantasma acorda Tyler e o rapaz consegue impedir que Ryan assassine sua irmã. No entanto, os dois caem de uma janela e ambos acabam falecendo. Algo que talvez não fique muito claro é se o fantasma é realmente Nadia — ideia essa que eu não compro. Mas, antes disso, o filme se revela um êxito não apenas narrativo e visual, mas também sonoro, visto que a trilha musical é inspirada no cinema clássico. Nisso, Presença se afirma como um terror sutil, sólido, inventivo e elegante. 

(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)

Presença

Título Original: Presence

Lançamento: 2024

Duração: 85 mins.

Gênero(s):

Classificação: 16

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