Entre os anos 1980 e 1990, o cinema norte-americano cresceu em duas frentes simultaneamente: de um lado, os blockbusters continuavam conquistando cada vez mais público, e de outro, uma produção independente, influenciada pelas configurações políticas e sociais do país, dava passos mais largos em direção ao seu desenvolvimento. Sociedade dos Poetas Mortos (1989) surge em meio a esse caráter contrastante, porém, embora tenha bebido de referências de ambas as partes, seu legado, ao longo dos quase quarenta anos que se seguiram, se resumiu quase sempre aos preceitos mais básicos de sua proposta moral. Carpe diem, fraternidade e amor resumem o filme assinado por Peter Weir, mas esses só são sustentados pelo subtexto da homossexualidade — que é presente, mas nem sempre honrada.
Décimo filme do diretor e roteirista australiano, Sociedade dos Poetas Mortos acompanha um grupo de estudantes no tradicional colégio masculino Welton Academy. Com a chegada de um novo professor de inglês, John Keating (Robin Williams), os jovens têm suas perspectivas mudadas: Keating incentiva seus alunos a pensarem por si mesmos, explorarem seus interesses e aproveitarem cada momento. Com métodos de ensino pouco convencionais, ele desafia as normas rígidas da escola e encoraja os jovens a formarem a Sociedade dos Poetas Mortos, um clube secreto em que compartilham poesia e suas aspirações, para, assim, encontrarem suas próprias vozes. No entanto, as ideias de Keating logo entram em conflito com a administração conservadora da escola.
Por mais que Sociedade dos Poetas Mortos nunca tenha confirmado sua direção para uma narrativa com um subtexto de teor gay, não precisa de muito para entender esse enredo como uma metáfora para a homossexualidade. Em um primeiro momento, o arco narrativo dos dois jovens principais, Neil (Robert Sean Leonard) e Todd (Ethan Hawke), debruça-se nos clássicos moldes de uma história de amor: enquanto o primeiro é extrovertido e aceita sua personalidade, o segundo é introvertido e vive em constante negação de fazer parte do grupo de pessoas “como Neil” — talvez, uma homofobia internalizada. Para além, os instantes em que os dois trocam olhares e deixam seus rostos bem próximos colaboram com a enceração melodramática: por mais que Todd só conheça Neill há seis meses, ele sofre mais que todos os outros amigos com a parte do colega. Claro, há espaço para interpretação, mas se pergunte: se um deles fosse uma garota, será que o filme teria concretizado um romance no final em vez de uma morte trágica?
Em paralelo, o espírito que alimenta Sociedade dos Poetas Mortos sintoniza com um símbolo de luta contra a homofobia. O preceito básico pregado pelo professor Keating e seguido por seus alunos é, basicamente, uma batalha contra o tradicionalismo em prol do não-conformismo. O colégio em questão no longa, por exemplo, é o suprassumo de conversação das tradições patriarcais, heterossexuais e europeias — em outras palavras, o espaço perfeito para uma narrativa homossexual reprimida se desenvolver. Além disso, o professor e os alunos adotam um moral de “seguir seu coração” por mais “estranho” que isso faça você parecer — escolha curiosa de palavra, visto que grande parte das performances sociais que os garotos são ensinados a aceitar e abraçar são elementos que fariam qualquer rapaz ser taxado como “gay” nos anos 1950. Portanto, Sociedade esbarra na luta contra a homofobia ao assumir, para seu subtexto, uma narrativa de marginalização em um ambiente opressivo para um determinado nicho.
Por outro lado, o pecado do filme é não assumir isso em momento algum. Em meio a uma produção forte no cinema alternativo estadunidense e o movimento do New Queer Cinema cada vez mais forte, Sociedade perde potência por não usar seu elemento mais singular ao seu favor. Para além de todos esses elementos comentados serem mais interpretações do que fatos, há uma cena no final do filme que apoia isso também. Logo depois de Neil brigar com seu pai para poder atuar em uma peça de teatro, ele é celebrado na noite de estreia. Porém, antes mesmo de receber as felicitações dos amigos e do professor, ele é arrastado por seu pai para casa, onde recebe um sermão por se arriscar demais em “ser alguém assim”. Neil tenta argumentar, dizendo que apenas gostaria de poder dizer o que sente. Quando perguntado o que era, Neil não responde e, nas horas seguintes, se suicida. Há espaço para interpretação, mas a margem é grande: pode ser sobre sua identidade ou apenas sobre a peça de teatro. Se fosse no primeiro caso, talvez Sociedade fosse uma das únicas obras que conta com base sólida de uma narrativa gay sem se centrar totalmente em cima disso.
Todavia, fora dessa esfera, o filme não dá passos muito largos também. O personagem de Robin Williams é marcante, mas longe de ser tão radicalista quanto os cultuadores do filme fizeram parecer. Keating é um egresso do colégio e encabeçou a Sociedade dos Poetas Mortos de sua época. Suas aulas raramente são teóricas e sempre assumem um caráter experimental performático: uma volta pela escola para espiar as fotos das turmas mais antigas que passaram por ali ou uma fila indiana para recitar poesia gritando enquanto um disco de vinil toca alguma peça clássica de algum compositor — supostamente gay. Definitivamente, sua aula sobre subir em cima da mesa para uma nova perspectiva — que desencadeia uma icônica cena final — é quase clássica, porém, por outro lado, grande parte de seus conselhos parece mais focada no impacto do que na substância. No final, Keating é um sábio professor da vida, mas não é um professor de inglês muito inteligente.
Peter Weir, que assina o filme, também não traz muita forma para a obra. Sua direção é relativamente medíocre e sem muita inventividade, seguindo os padrões do que era suficientemente bonito nos anos 1980. Se por um lado, há alguns signos de atmosfera que dão um charme místico em alguns momentos — as cenas em que os garotos vestidos com capas fogem da escola na sexta-feira à noite para ir a um caverna no meio da floresta para realizar as reuniões do clube —, o restante mergulha raso em uma decupagem opaca e, às vezes, sem graça. Dez anos mais tarde, com O Show de Truman (1998), o diretor acharia um pouco mais sua voz, mas aqui, ele ainda parece preso no que as pessoas querem ver ao invés de seguir sua própria vontade.
Se há algo sobre Sociedade dos Poetas Mortos que é indiscutível é que ele é um filme bonito. Grande parte da aclamação que ele recebeu durante as décadas vem muito mais do seu lado melodramático, e seu caráter motivador de mudança fala mais alto e direto que qualquer outro preceito técnico e possibilidade de interpretação. Pessoalmente falando, eu ainda tenho dificuldade de comprar a ideia dele como todas as outras pessoas facilmente compraram. Porém, como o próprio Keating diria: considere mais o que você sente ao invés do que o autor diz.
(Nota: Este texto foi publicado originalmente no site Cinemanorama e, desde setembro de 2025, encontra-se também disponível no site Suborno.)